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A ascensão do corpo glorioso e a liberdade de voar

Quantos de nós ao contemplarmos a natureza, tão rica em espécies de toda ordem, seja em minerais, vegetais ou animais não ficamos por vezes “paralisados”, encantados com sua beleza? Tanto na infância ou na idade madura, nossos olhos não poucas vezes se deixam enlevar, por exemplo dentro do reino animal, pelo vôo dos pássaros: às vezes uma andorinha (ou várias) que “comunicando” uma jovialidade efusiva ao percorrer os espaços aéreos, parece cantar a alegria de voar; ou ainda certas espécies de gavião com seu vôo assinalado por uma agilidade, decisão e velocidade próprias. Enfim, tal é o número destes animais bípedes e revestidos de penas igualmente tão diversificadas pelo colorido, que sem dúvida nos atraem a atenção.

Esta admiração traz consigo – e historicamente a humanidade se lançou em busca, através dos mais diversos engenhos – um pensamento, ainda que fugidio e nem sempre tão explicitado por todos: como deve ser atraente vivenciar este vôo dos pássaros; como seria interessante se assim nós humanos, tão presos na terra e sujeitos à Lei da Gravidade – a famosa lei da gravitação universal do não menos famoso cientista, físico e matemático Isaac Newton – que nos puxa para baixo. Como seria interessante, repito, tivéssemos a propriedade de, sem outros recursos tecnológicos, por nós mesmos a capacidade de voar, de subir, de se lançar ao ar e percorrer as distâncias e deitar do alto o olhar sobre as coisas aqui na terra, com uma visão privilegiada a busca de novos horizontes maravilhosos! Mas, postas as coisas como são, limitamo-nos a exclamar: Ah! Se pudéssemos voar, se pudéssemos subir…

A realização deste desejo de voar por nós mesmos, não é algo tão distante. Alguém poderia sorrir, pensando que estivéssemos brincando. Não, na realidade maior de nossa existência, este voar, subir e elevar-se com seu próprio corpo às alturas um dia se dará. Como?

Estas considerações nos vêm à tona justamente a propósito deste tempo litúrgico, carregado de alegria sobrenatural, constituído de cinqüenta dias que é o Tempo Pascal; e mais propriamente da contemplação tanto da Ressurreição quanto da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Com efeito, sabemos que Nosso Senhor Jesus Cristo “ressuscitou ao terceiro dia” (5º. Artigo do Credo) e “subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso” (6º. Artigo do Credo) (1). Estas celebrações nos remetem, entre os múltiplos aspectos de caráter sobrenatural e marcados pela glorificação do Homem-Deus, à contemplação enlevada do Corpo glorioso de Jesus Cristo.

Ora, quando Nosso Senhor, depois de passada sua Paixão e Morte na Cruz, nas quais suportou as dores e sofrimentos no seu Corpo padecente, ressuscitou e agora se apresenta aos seus discípulos com o Corpo glorioso:

Jesus ressuscitado estabelece com seus discípulos relações diretas, em que estes o apalpam e com Eles comem. Convida-os, com isso, a reconhecer que Ele não é um espírito, mas sobretudo a constatar que o corpo ressuscitado com o qual Ele se apresenta a eles é o mesmo que foi martirizado e crucificado, pois ainda traz as marcas de sua Paixão. Contudo, este corpo autêntico e real, possui, ao mesmo tempo, as propriedades novas de um corpo glorioso: não está situado no espaço e no tempo, mas pode tornar-se presente a seu modo, onde e quando quiser, pois sua humanidade não pode mais ficar presa à terra, mas já pertence exclusivamente ao domínio divino do Pai. Por esta razão também Jesus ressuscitado é soberanamente livre de aparecer como quiser: sob a aparência de um jardineiro ou de outra forma (MC 16, 12), diferente das que eram familiares aos discípulos, e isto precisamente para suscitar-lhes a fé. (2) [grifo nosso]

 Quais seriam estas “propriedades novas” de seu corpo glorioso? Para termos uma resposta, útil é buscar em São Tomás de Aquino as características de um corpo glorioso:

Vemos que da alma quatro coisas provêm ao corpo, e tanto mais perfeitamente quanto mais vigorosa é a alma. Primeiramente lhe dá o ser; portanto, quando a alma alcançar o sumo da perfeição, dar-lhe-á um ser espiritual. Segunda, preserva-o da corrupção […]; logo, quando ela for perfeitíssima, conservará o corpo inteiramente impassível. Terceira, lhe dá formosura e esplendor […]; e quando chegar à suma perfeição, tornará o corpo luminoso e refulgente. Quarta, lhe dá movimento, e tanto mais ligeiro será o corpo quanto mais potente for o vigor da alma sobre ele. Por isso, quando a alma já estiver no extremo de sua perfeição, dará ao corpo agilidade (3). [grifo nosso]

Contemplemos, para efeito desta nossa abordagem, a quarta característica do corpo glorioso: agilidade. Por esta qualidade o corpo glorioso move-se para todos os campos, translada-se com a velocidade do pensamento para onde queira e sem nenhum auxílio; foi na virtude desta qualidade que Nosso Senhor Jesus Cristo subiu ao Céu na Ascensão. De igual modo Maria Santíssima subiu ao céu por sua própria agilidade na condição de corpo glorioso. Nossa Senhora ascendeu aos céus acompanhada dos Anjos da corte celeste, não para auxiliá-La mas fazendo-Lhe guarda de honra, pois Sua força foi concedida pelo Criador.

Neste momento o leitor pode suscitar uma dúvida: teremos nós também esta capacidade de subirmos, elevarmos e com uma agilidade maior do que observamos nos pássaros de que considerávamos e para além mesmo destes espaços aéreos que nossos olhos contemplam? Quando será isto possível?

Podemos encontrar a resposta nas palavras do Beato João Paulo II:

Assim, em Cristo «todos ressuscitarão com os corpos de que agora estão revestidos» (Concílio Lateranense IV: DS 801), mas este nosso corpo será transfigurado em corpo glorioso (cf. Fl 3, 21), em «corpo espiritual» (1 Cor 15, 44). Paulo, na primeira Carta aos Coríntios, àqueles que lhe perguntam: «Como ressuscitam os mortos? Com que espécie de corpo voltam eles?», responde servindo-se da imagem da semente que morre para se abrir à nova vida: «O que semeias não torna vida, se primeiro não morrer. E o que semeias não é o corpo que há-de vir, mas sim um grão simples de trigo, por exemplo, ou de qualquer outra espécie […]. Assim também é a ressurreição: semeia-se na corrupção e ressuscita-se na incorrupção. Semeia-se na ignomínia e ressuscita-se na glória. Semeia-se na fraqueza, ressuscita-se na força. Semeia-se corpo natural e ressuscita-se corpo espiritual […]. É necessário que este corpo incorruptível se revista de incorruptibilidade, e que este corpo mortal se revista de imortalidade» (1 Cor 15, 36-37.42-44.52). (4)

 Sim, chegará o grande dia em que se dará este fato grandioso, divino: nós ressuscitaremos com o corpo glorioso, pelo poder dAquele que triunfou sobre a morte e ascendeu ao Céu. Para esta verdade de fé, o nosso Fundador dos Arautos do Evangelho, Mons. João Sconamiglio Clá Dias, em sua obra “Inédito sobre os Evangelhos” sublinha as palavras de São Tomás de Aquino:

[…] pelo fato de Cristo ter elevado ao Céu sua natureza humana assumida, deu-nos a esperança de lá chegarmos, porque “onde quer que esteja o corpo, ali se reunirão as águias”, como diz Mateus. Por isso, diz também o livro de Miquéias “Já subiu, diante deles Aquele que abre o caminho” (5).

 Assim, após termos contemplado as águias deste vale de lágrimas, no dia da Ressurreição dos mortos, voaremos com uma agilidade incomparavelmente maior do que quaisquer criaturas meramente corpóreas, para junto daqueles que nos antecederam na entrada ao Céu com sua alma e corpo, Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Mãe Santíssima.

Adilson Costa

1. Segundo Catecismo da Doutrina Cristã. Primeira Parte: do Credo. 117. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2007, p. 13.
2. Catecismo da Igreja Católica. O Estado da Humanidade Ressuscitada de Cristo: n. 645. 11. Ed. São Paulo: Loyola, 2001, p. 185.
3. São Tomás de Aquino, Super Epistolas S. Pauli lectura, t. 1: Super primam Epistolam ad Corinthios lectura, cap. 15, 1.6
4. Audiência de João Paulo II, 4 de novembro de 1988. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/audiences/1998/documents/hf_jp-ii_aud_04111998_po.html>. Acesso em 08 mai. 2013.
5. Mons. João Sconamiglio Clá Dias. Inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominiciais. v. V. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana; São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p. 350.

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