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A alegria de interessar-se pelos outros

Interessar-se pelos outros… Como esta conduta parece ir desaparecendo do convívio humano, trocada tantas vezes por atitudes marcadas pelo interesse exclusivamente pessoal, pela busca da vantagem própria ainda que em prejuízo de outrem, pelo egoísmo. No entanto, podemos indagar: onde o homem encontra a sua alegria, no buscar-se a si mesmo, ou no abrir-se para o outro?

Os Atos dos Apóstolos nos descortinam perspectivas e luzes novas sobre a questão, ao nos revelarem, entre outros, um gesto “divino” de Filipe, em sua ação evangelizadora.

Conta-nos este livro sagrado que um ministro da Rainha da Etiópia, após ter visitado o templo de Jerusalém, enquanto retornava para Gaza lendo em voz alta um trecho do Profeta Isaias, fora abordado por Filipe que lhe perguntara se o pagão entendia o que estava lendo.

A resposta sincera do etíope, de forma interrogativa, veio de imediato: “Como posso entender, se não há ninguém que me explique?” (At 8, 30b). E convidou Filipe a que subisse em sua carruagem e lhe interpretasse aquela passagem.

Com efeito, “a passagem da Escritura, que ia lendo, era esta: Como ovelha, foi levado ao matadouro; e, como cordeiro mudo diante do que o tosquia, ele não abriu a sua boca. Na sua humilhação foi consumado o seu julgamento. Quem poderá contar a sua descendência? Pois a sua vida foi tirada da terra” (At 8, 32-33).

Diante dos rogos do pagão, que queria saber se esta difícil passagem da Escritura tratava do próprio Profeta Isaias ou de outrem, Filipe se pôs a explicar. As palavras fluíram com sabedoria e entusiasmo de sua boca, ante os ouvidos ávidos e sequiosos da verdade do interlocutor. Eis que o evangelizador “anunciou-lhe Jesus” (At 8, 35b).

Cheio de alegria, continuou o seu caminho

A explicação de Filipe foi tão plena de unção sobrenatural, que o etíope creu de todo o coração ser Jesus o Filho de Deus, pediu e recebeu o batismo e, “cheio de alegria, continuou o seu caminho” (cf. At 8, 38).

San Felipe apÛstol bautizando al Eunuco etÌope - Louis Boullog

Felipe batizando o Eunuco etíope, por Louis Boullogne. Museo Saint-Loup, Troyes, Francia

A estas alturas, o caro leitor talvez esteja um pouco intrigado, embora não menos encantado pela história sagrada. Quanto ao encantamento, é de se esperar, pois a narração é comovente e edificante. São palavras de vida eterna, porque tiradas da Sagrada Escritura.

Mas, quanto a certa estranheza, compreende-se: onde está a relação entre a introdução deste artigo – o interessar-se pelos outros – com a narração bíblica da conversa entre Filipe e o etíope?

A relação é simples e contundente. Imagine o caro leitor se Filipe somente se preocupasse com seus interesses pessoais, colado numa vidinha medíocre do dia a dia, e nunca tivesse um olhar para o próximo ou tempo para atender alguma necessidade de outrem, no caso, o etíope. Perguntamos: esta história teria acontecido? Teríamos a conversão tão tocante deste superintendente dos tesouros da Rainha? Claro que não!

Pois bem. Aqui está a alegria deste beneficiado por um ensinamento que lhe é feito com solicitude, benquerença, e mais, com sede de almas. Quanta felicidade para este ministro da rainha ter sido objeto do interesse evangelizador de Filipe!

Porém, o leitor poderia questionar: e qual é a alegria de Filipe ao se antepor à necessidade daquele homem e atende-lo com ardoroso amor?

O irmão que salva seu irmão salva sua própria alma, e brilhará no Céu como um Sol por toda a eternidade. Filipe, aqui na terra, ao interessar-se pelos outros, por amor de Deus, com esquecimento de si próprio, teve – entre outros gáudios – a alegria de ver a alegria de seu irmão, o etíope convertido. O que dizer, então, da alegria plena que este missionário evangelizador tem como recompensa no Paraíso?

E como este “interessar-se pelos outros” pode se manifestar?

Este “interessar-se pelos outros” se expressa nos mais diversos sentidos, desde fazer apostolado, conforme o exemplo citado nos Atos dos Apóstolos, como também nos menores gestos, seja uma gentileza, uma demonstração de atenção, um prestar algum favor ou dar um bom conselho, tudo desde que marcado pela reta intenção de fazer bem ao próximo e com verdadeira caridade, com verdadeiro amor.

Sim. Caridade… amor! Como ensina Mons. João S. Clá Dias, EP, “ai está a verdadeira raiz da qual retiram substanciosa seiva todas as virtudes”. ¹ [grifos nossos]

É o ardoroso amor, em função de Nosso Senhor Jesus Cristo, que engendra este interesse benfazejo pelos outros.

E este interesse pelos outros, despojado da vantagem pessoal, nos trará aquela alegria para a qual Ele nos chama, pelos rogos de Nossa Senhora.

…………………………..

1 Mons. João S. Clá Dias, EP. Uma pré-figura da Igreja triunfante. In: _____. O inédito sobre os Evangelhos. v. V, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p. 302.

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