Devo contar a Jesus…
Nos círculos sociais, formados por amigos ou mesmo familiares, não raro é encontrarmos alguém que atraia a atenção dos seus interlocutores sobre as lacunas, as imperfeições e mesmo os vícios de pessoas ausentes. Estes, agindo como maledicentes, revelam inescrupulosamente, sem motivo razoável, as faltas ocultas do próximo. Qual a atitude correta face aos defeitos alheios, e que o verdadeiro católico deve adotar? O Evangelho de São Marcos deste V Domingo do Tempo Comum nos traz uma luz maravilhosa sobre a questão. Vejamos.
Narra-nos o evangelista que Jesus, com Tiago e João, foi à casa de Simão e André. Nela se encontrava na cama, com febre, a sogra de Simão.
Sobre esta febre física da sogra de Pedro, vários Padres da Igreja fazem uma analogia com a febre espiritual, decorrente dos defeitos morais. Por exemplo, Santo Ambrósio: “nesta mulher […] estava figurada nossa carne, enferma com as diversas febres dos pecados, e que ardia em transportes desmesurados de diversas cobiças” ¹.
Na mesma linha de pensamento, São Jerônimo ensina: “Cada um de nós está acometido de febre. Quando me deixo levar pela ira, padeço de febre. Quantos vícios há, tanta é a diversidade de febres” ²,
Mons. João Clá, em consonância com os doutores da Igreja, comenta: “A febre espiritual prende à cama o febricitado, tornando-o inútil para o trabalho e incapacitado de agir, porque todo o seu ser está aplicado na inclinação para o mal, ansioso de volúpia e, deste modo, falta-lhe o ânimo para servir a Deus e aos outros.”
E acrescenta: “Quantas pessoas passam a ser relapsas em seu apostolado por terem perdido a noção da grandeza da vocação, enquanto o dinamismo de sua alma está direcionado numa paixão desenfreada! Sim, pois quando alguém é chamado aos horizontes amplos e profundos da luta pela derrota do império de satanás na face da Terra e não corresponde a este apelo, acaba se dedicando às mais ínfimas e desprezíveis ninharias, e com isto consegue abafar sua consciência…” ³.
E, retomando: diante daquela triste e doentia situação da sogra de Pedro, qual foi a atitude dos Apóstolos? Diz o evangelista: “[…] e eles logo contaram a Jesus” (Mc 1, 30b).
Eis aqui uma das luzes que nos traz o Evangelho, a nos indicar uma resposta à questão enunciada no início deste artigo. Diz São Marcos: e eles logo contaram a Jesus. Sim, isto é o que, em primeiro lugar e com zelo, devemos fazer diante da febre espiritual – e inclusive física – do próximo. É dirigirmo-nos a Nosso Senhor, e com compaixão contar-lhe as dificuldades do próximo, rogando-lhe o socorro.
Por isto nos observa o Fundador dos Arautos a propósito de qualquer “febre espiritual” que vemos no próximo: “De nossa parte, ao observarmos alguém com as paixões em ebulição, seguindo por um caminho indevido, não nos alegremos com o mal alheio! Temos a obrigação de “contar a Jesus”, implorar-lhe que o cure. Se intercedemos pelos outros, o Senhor Se achegará a eles” 4.
E onde encontramos o fundamento de tal gesto? São João nos aponta, com chave de ouro, a virtude que é raiz deste procedimento e que deve nortear o bem que queiramos fazer ao próximo, assim como todas as nossas ações. É propriamente a virtude da caridade.
Diz o evangelho do apóstolo bem amado: “Este é o meu preceito: que vos ameis uns aos outros como eu vos tenho amado” (Jo 15,12).
E neste mesmo sentido, numa das palavras mais sublimes que encontramos no Novo Testamento a respeito da caridade, contemplamos do Apóstolo:
“Se falando língua de homens e de anjos não tenho caridade, sou como o bronze que soa ou címbalo que retine. E se tendo o dom da profecia e conhecendo todos os mistérios e toda a ciência, e tanta fé que deslocasse os montes, se não tenho a caridade, de nada lucro. A caridade é magnânima, é benigna; não é invejosa, não é jactanciosa, não se infla, não é descortês, não busca o que é seu, não se irrita, não pensa mal; não se alegra da injustiça, se compraz na verdade, tudo perdoa, tudo crê, tudo espera, tudo tolera. A caridade jamais decai. (…) Agora permanecem três coisas: a fé, a esperança, a caridade, porém a mais excelente delas é a caridade” (1 Cor 13, 1-8/13).
Peçamos a Nossa Senhora do Divino Amor que nos obtenha daquele que é o Amor em essência, a graça de sempre e em tudo nos conduzirmos pelo amor a Deus, abrindo nossos corações e contando a Jesus as necessidades e aflições, pessoais e do próximo, para que Ele possa assim nos curar, como curou a sogra de Pedro.
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Para saber mais sobre a caridade e o amor ao próximo, assista a um excelente vídeo de Mons. João Clá Dias, EP:
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¹ Santo Ambrósio. Tratado sobre El Evangelio de San Lucas. L.IV, n. 63. In Obras. Madri: BAC, 1966, v.I.p.221.
² São Jerônimo. Tratado sobre El Evangelio de San Marcos. Homilia II (1, 13-31). In Obras Completas. Obras Homiléticas. Madrid: BAC, 1999, v.I,p.849.
³ Mons. João S. Clá Dias, EP. A febre das paixões. In: _____. O inédito sobre os Evangelhos. v. IV. Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2014, p. 65.
4 Mons. João S. Clá Dias, EP. A febre das paixões. In: _____. O inédito sobre os Evangelhos. v. IV. Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2014, p. 66.