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Os mártires e os lobos

A natureza, realmente, é um livro extraordinário repleto de ensinamentos e mistérios, próprios à reflexão de verdades e princípios indicadores de nosso relacionamento com Deus e o próximo. E isto de tal forma, que o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, Criador desta natureza e Divino Pedagogo, dela fez uso para anunciar a Boa Nova, nas mais variadas situações de sua pregação.

Esta consideração nos vem à mente, ao adentrarmos neste mês de julho no qual celebramos a Jornada Mundial da Juventude no Brasil, em que temos a intenção de que ela “anime a todos os jovens cristãos a se tornarem discípulos e missionários do Evangelho” (1).

Eis que vos envio

Com efeito, contemplemos a narração do evangelista São Lucas, no capítulo 10, e deitemos a atenção para um aspecto de esplêndida riqueza, fundamental e indispensável, para todos aqueles que querem ser discípulos e missionários, ou por outra, porque discípulos (cristãos), são missionários do Evangelho. Disse Jesus, ao escolher 72 discípulos para anunciarem o Reino de Deus: “Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos” (Lc 10, 3).

Em um primeiro momento, poderia causar-nos certa estranheza a comparação que o Divino Mestre utiliza para explicar aos discípulos como e a quem os enviaria. Imagine o leitor: o que pode um inocente cordeiro contra um lobo voraz? Qual é a natural e extintiva “conduta” do lobo face ao cordeiro? Antes mesmo das mais elementares lições de biologia ou zoologia da educação formal, salta-nos aos olhos o que até uma criança já adquiri como conhecimento a respeito do destino de um cordeiro nas garras e dentes de um lobo… E como fica a aplicação de tal metáfora? Ensina Ele que o cordeiro deve se achegar do lobo, para ser por este devorado? Sejamos mais ousados em nosso questionamento: Jesus se enganou?

Categoricamente: não! Mas então, como explicar tal metáfora?

Sim, o discípulo e missionário deve ser como um cordeiro. E quais são as qualidades simbolizadas e evocadas pelo cordeiro: mansidão, inocência, humildade. Assim deve ser o apóstolo de Jesus, fiel e pacífico, cheio de bondade e amante da pureza dos costumes.

E quanto ao lobo, símbolo de quais atributos é este animal selvagem? Maldade, astúcia e obstinação. Eis as características infelizmente presentes neste nosso início de Século, onde a impiedade, a falta de fé, hostilidade e perseguição contra a verdade e o bem vão ganhando espaços crescentes.

Qual deve então ser a atitude do discípulo-missionário em sua missão evangelizadora, na qual encontrará situações difíceis articuladas pela malícia do mundo? Será ele uma fatal vítima, à maneira do cordeiro em meio a uma alcateia de lobos?

Discípulos fiéis, distribuidores da graça

O grande bispo e doutor da Igreja, Santo Ambrósio (+397), nos traz uma luz a respeito da missão dos discípulos junto ao mundo: “enviados não como presas, mas como distribuidores da graça”. (2)

Santo Ambrósio em seu estudo – Tama, Palancia, séc. XVI – Metropo

Ora, para serem distribuidores da graça, necessário é serem portadores da graça, pois ninguém dá o que não tem. E para serem portadores da graça, necessário se faz serem seguidores fiéis, fortes e confiantes de Jesus Cristo, sob pena de, ao contrário, serem escravos do mundo, do demônio e da carne.

Eis aqui o sentido genuíno de ser cordeiro em meio aos lobos: conservar e crescer na união com Jesus, amá-lo verdadeira e radicalmente, agindo coerentemente com nossa fé nele e na prática dos Mandamentos. É sendo discípulo autêntico e despretensioso, mais do que dizendo ou operando, que atrairemos para Nosso Senhor aqueles a quem nos propomos fazer apostolado. Este exemplo de vida dos discípulos e missionários é belamente apontado pelo grande Doutor Teólogo da Igreja, São Gregório Nazianzeno : “[…] eles devem ser tão virtuosos que o Evangelho se propague mais pelo modelo de sua vida do que por sua palavra”. (3)

E quais os frutos da missão?

E quais serão os frutos desta evangelização permeada de autenticidade e virtude?

Muitas almas serão atraídas e, não raramente, algo esplêndido se sucede, como observa Mons. João Clá Dias, EP: “A força da graça conferida pelo Salvador à sua grei é tal que muitos ‘lobos’ acabam sendo convertidos em ‘cordeiros’… Exemplo supremo é o de Saulo, fariseu que ‘só respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor’ (At 9,1), o qual veio a tornar-se o Apóstolo por excelência”. (4)

É verdade, no entanto, que não é unanime a aceitação daqueles a quem se quis fazer o

N. Sra. do Carmo – Colômbia

bem. Mas tal rejeição não deve intimidar o discípulo e missionário do Senhor, pois, conforme está escrito no Evangelho de São João, “O servo não é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram, também vos hão de perseguir” (Jo 15, 20).

Tal hostilidade sempre esteve presente ao longo da história da Igreja – e fatos concretos hoje em dia são narrados – pois muitos foram os “lobos” que trucidaram os “cordeiros”. Mas isto pouco importa, ou por outra, importa muito, pois, como diz Mons. João Clá Dias,

“Se a hostilidade chega ao extremo do martírio, a violência se transforma em glória para os cristãos, permitindo-lhes receber o prêmio da fé, na vida eterna”. (5)

A história dos mártires e dos lobos

Eis ai, no decurso da evangelização, a história dos Mártires e dos lobos. Peçamos à Santíssima Virgem, sob invocação de Nossa Senhora do Carmo (6), celebrada neste mês (dia 16), o que cantamos no Hino em seu louvor “Rosa do Carmelo”: “Forte armadura dos guerreiros! Aos que partem para a luta protegei com o escapulário”. (6)

Por Adilson Costa da Costa

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(1) Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Diretório da Liturgia e da organização na Igreja no Brasil – 2013 – Ano C – São Lucas. Brasília: Edições CNBB, 2012, p.125.

(2) Santo Ambrósio. Tratado sobre El Evangelio de San Lucas. L. VII, n. 46. In:  Obras. v. I, Madrid: BAC, 1966, p. 367.

(3) São Gregório Nanzianzeno, apud São Tomás de Aquino. Catena Aurea, In Lucam, c. X. v. 3-4.

(4) Mons. João S, Clá Dias, EP. O inédito sobre os Evangelhos. v. V, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p. 199-200.

(5) Idem, p. 199.

(6) Para saber mais o leitor pode acessar a matéria: http://www.arautos.org/artigo/13178/O-escapulario-de-Nossa-Senhora-do-Carmo-.html

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Como ganhar a vida?

    Está em nossa natureza o desejo da felicidade. Sempre estamos, explicita ou implicitamente, buscando-a de alguma forma. Basta ser humano para se querer este ideal. E, certamente, quem a encontrou pode dizer que fez o grande negócio de sua vida, ou então, que ganhou a vida.

         Ora, mas quando é que se ganha a vida?

         Muitos dirão: Ah! Tendo muito dinheiro!

    Mas se pararmos para analisar aqueles que tiveram ou têm excelente situação econômica, poderíamos nos perguntar: todos eles foram ou são felizes? Muitos de nós, talvez, poderemos responder pela experiência da vida: não! Seja por casos de doença (como dizem: dinheiro não compra saúde), por problemas de relacionamento, seja o que for, o dinheiro não traz o que a vida não proporcionou, não se terá assim a felicidade completa.

         Alguém ainda poderia dizer: a felicidade está no prestígio, em ser aplaudido e ser bem visto. No entanto, quantos foram aqueles que num momento eram elogiados e ovacionados e, com o passar do tempo, foram desprezados ou esquecidos. Há casos também de pessoas muito aplaudidas pela sociedade, mas que por algum problema pessoal carregam grandes amarguras, muito bem dissimuladas perante o público, mas que algumas vezes acabam vindo à luz em desfechos trágicos.

         Bem, mas alguém também poderá dizer: pelo menos alcançam felicidade aqueles que têm os prazeres da vida. Aqui talvez seja mais evidente o desmentido da realidade. Vivenciamos um período histórico no qual uma “famosa” doença atinge a um número crescente de pessoas das mais variadas idades, entre essas, muitas emblemáticas e gozadoras da vida, que após seus momentos de euforia, na intimidade, têm como indesejável companheira a depressão.

         Mas então, como encontrar a felicidade?

Los Jerónimos- Lisboa, Portugal

Busquemos na sabedoria da Igreja, “tão antiga e tão nova” – adaptando os dizeres de Santo Agostinho – as luzes do Evangelho que possam iluminar as vias que nos conduzirão a uma felicidade especial, incomparável, que “nem a traça nem a ferrugem corroem, e onde os ladrões não assaltam nem roubam” (Mt 6, 20).

         Uma leitura cuidadosa do Evangelho de São Lucas mostrará um trecho luminoso a este respeito. Eis que, na contramão da avareza, das honras e prazeres mundanos, deparamo-nos com os Versículos 23-24, contemplados no XII Domingo do Tempo Comum, em que Nosso Senhor diz:

         “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me” (Lc 9, 23). Seguí-Lo para onde? Onde está Jesus? Ele se encontra agora “sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso” (1), em seu trono de glória, gozando da maior e mais perfeita felicidade, tão grande que não podemos concebê-la: a felicidade eterna! E continua:

         “Pois quem quiser ganhar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9, 24).

         Portanto, atendamos ao convite de Nosso Senhor. Comentava estas divinas palavras, Mons. João Clá Dias: “[…] podemos ressaltar que, ‘ganhar a vida’ significa também ter uma existência pautada pelos Mandamentos, visando como objetivo a santidade. Em nossa época, na qual os homens pagam qualquer tributo para trilhar uma carreira brilhante e construir um nome de prestígio, lucraria muito quem meditasse nessa passagem […]” (2).

Virgen de la Asuncón – Catedral de Asunción,  Paraguay

Então caro leitor, se nós queremos “ganhar a vida” e, veja bem, nos dois sentidos da expressão, ou seja, alcançarmos a felicidade possível nesta terra e a eterna no Céu, sigamos o maravilhoso conselho, que vem acompanhado de uma promessa infalível, não feita por qualquer homem, mas pelo próprio Homem-Deus:

“Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentada” (Mt. 6, 33).

E assim teremos ganho, como Ele, a vida. Roguemos à Nossa Senhora a graça de seguirmos a Nosso Senhor,  nas vias da santidade, dos Mandamentos, alcançando a verdadeira felicidade.

Adilson Costa da Costa

(1) Catecismo da Igreja Católica. Artigo 6. 11ª ed. São Paulo: Loyola, 1999, p. 189.

(2) Mons. João S. Clá Dias, EP. O inédito sobre os Evangelhos. v. VI, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana e São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p. 173-174.

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