A religiosa que venceu Átila
Eu não pus a confiança no meu arco
A minha espada não me pôde libertar;
Mas fostes vós que nos livrastes do inimigo
e cobristes de vergonha o opressor. (Salmo 43)
Históricas e legendárias são as invasões de Átila, “o flagelo de Deus”, que no século V aterrorizava populações com seus guerreiros hunos. A galope sobre cavalos, assaltando rapidamente a China, depois se precipitou sobre a Europa, destroçando o que encontrava pela frente. Quem, no entanto, poderia servir de barreira ou proteção contra tamanha fúria?
Com muita propriedade, pode-se responder com o Salmista: não foi o arco nem a espada que me pôde libertar, mas Deus que me livrou do inimigo (Sl 43, 7-8). E quem poderia imaginar que, entre as almas providenciais suscitadas por Deus no seio da Santa Igreja – “único elemento vivo num mundo em desagregação”¹ – uma delas seria a frágil mulher que deteria Átila e salvaria a cidade de Paris do terrível invasor. Quem foi ela?
Caro leitor, estamos em meados do Século V. Passavam na aldeia de Nantes, a caminho da Grã-Bretanha, em missão dada pelo Papa São Bonifácio I, dois Santos Bispos: São Germano de Auxerre e São Lupo, Bispo de Troyes. Estando eles se dirigindo para a igreja, a população os cercava com veneração e afeto filial, por ter a honra de receber em seu aconchegante lugarejo tão ilustres visitantes.
Eis que em meio à multidão, São Germano discerne uma menina de sete anos, da qual se irradiava, aos olhos sobrenaturais do Santo Bispo, a luz da inocência. Quem seria esta criança? Pediu que chamassem a menina e seus pais. Assim foi feito. E dirigindo-se a eles, disse profeticamente o eminente Prelado:
“Felizes pais com tal filha. Por ocasião do nascimento desta criança, saibam-no, os Anjos deram grande festa no Céu. Esta menina será grande diante do Senhor; e, pela santidade de sua vida, arrancará muitas almas do jugo do pecado.” ²
Ditas estas palavras, acrescentou, com a santa ousadia de um verdadeiro pastor: “Genoveva, minha filha. Fala-me sem temor: gostarias de ser consagrada a Cristo numa pureza sem mancha, como sua esposa?”
E a resposta se fez ouvir, cheia de entusiasmo e candura: “Bendito sejais, meu Pai, o que me pedis é o maior desejo de meu coração. É tudo que quero. Dignai-vos rogar ao Senhor que mo conceda”.
Repleta de luzes é a história de Santa Genoveva. Para não nos alongarmos, fixemo-nos, caro leitor, à abordagem levantada no início deste artigo.
Esta criança, fiel imitadora de Cristo Nosso Senhor, “crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52). Fez-se religiosa e, após a morte de seus pais, viveu em Paris. A fama de santidade de Santa Genoveva era generalizada, a tal ponto, que do outro lado do mundo, na Ásia Menor, o famoso santo que vivia rezando sobre uma alta coluna de pedra, São Simeão Estilita, referia-se a ela como sua irmã em perfeição no Cristianismo. ³
Com efeito, os famosos e temidos hunos, comandados por Átila, dirigem-se à Paris, “ultrapassando em ferocidade tudo quanto se possa imaginar, com o seu corpo atarracado, os membros superiores enormes, a cabeça desmedidamente grande, as faces sulcadas de cicatrizes que eles mesmos se infligem para impedir o crescimento da barba, serão feras ou homens? […] Entre eles não há arado, nem cultura, nem casa estável. […] Não se dão ao trabalho de cozinhar os alimentos; comem a carne crua, depois de a terem algum tempo debaixo da sela, para que fique mais macia”, conforme registrou um célebre historiador. 4
Diante dessa horda selvagem e conquistadora a ameaçar Paris, ergue-se, não com arcos, espadas e escudos, mas com a fé e confiança inabaláveis, Santa Genoveva. Muitos querem bater em retirada, no entanto, a religiosa afirma: “Podem os homens fugir, se assim o quiserem e não forem capazes de combater; nós, as mulheres, pediremos tanto a Deus que Ele acabará ouvindo as nossas súplicas!” 5
Tal foi a decisão da Santa que “[…] reunindo as companheiras, aconselhou-lhes dedicar-se aos jejuns, às preces e às vigílias, a fim de lograrem, como Judite e Ester, escapar à calamidade que as ameaçava. Reuniram-se com Genoveva no batistério, e destinaram vários dias a tais obras de penitência. A santa, por outro lado, dizia aos homens que não abandonassem Paris, visto que as cidades para as quais pretendiam retirar-se seriam devastadas pelos bárbaros, ao passo que, com a proteção de Cristo, Paris ficaria [a] salvo.” 6
Diante de tanta fidelidade e confiança em Deus Nosso Senhor, o inopinado aconteceu. Os bárbaros mudaram inexplicavelmente de rota e não invadiram Paris. Aqui está uma das mais belas páginas da vida dos Santos. 7
Que Santa Genoveva nos obtenha do Salvador, unida à Rainha do Céu e da Terra, a confiança inabalável pela qual, sejam quais forem as adversidades e lutas da vida, a graça sempre nos socorrerá, mesmo sem os auxílios dos meios terrenos, nos libertando do inimigo e fazendo-nos aos olhos de Deus verdadeiros heróis da fé e da confiança. Especialmente nestes dias em que a barbárie e a violência retornam requintados à face de um “mundo civilizado” que se distancia de Deus, não coloquemos a confiança no poder das armas, mas saibamos vencer o combate da fé, como Santa Genoveva.
Santa Genoveva, rogai por nós!
Por Adilson Costa da Costa
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¹ Daniel-Rops. O furacão dos bárbaros. A Igreja dos Tempos Bárbaros. Tradução de Emérico Da Gama. São Paulo: Quadrante, 1991. Vol. II, p. 95.
² Dom Guéranger. L’Année Liturgique – Le temps de Noël. Tomo I. 13ª edição. Paris: Librairie Religieuse H. Oudin. 1900, p.. 523-525.
³ Dom Guéranger. Idem.
4 Amiano Marcelino. In Daniel-Rops. O furacão dos bárbaros. A Igreja dos Tempos Bárbaros. Tradução de Emérico Da Gama. São Paulo: Quadrante. 1991. Vol. II, p. 100-101.
5 Daniel-Rops. O furacão dos bárbaros. A Igreja dos Tempos Bárbaros. Tradução de Emérico Da Gama. São Paulo: Quadrante, 1991. Vol. II, p. 106.
6 Santa Genoveva, Virgem e Padroeira de Paris. Disponível em: <http://www.arautos.org/imprimir/684.html -Acesso em 22/janeiro/2015>. Acesso em 22 jan. 2015.
7 Padre Rohbarbacher. Vida dos Santos. Edição atualizada por Jannart Moutinho Ribeiro sob a supervisão do Prof. A della Nina. São Paulo: Editora das Américas, 1959. Vol. I, p. 126.
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Tão atraente é a vida desta Santa, que vale a pena aprofundar o conhecimento da mesma. Pode-se acessar <http://www.arautos.org/artigo/684/Santa-Genoveva–Virgem-e-Padroeira-de-Paris.html>.