V Domingo da Páscoa
Resumo dos Comentários de Mons. João Scognamiglio Clá Dias, no Inédito Sobre os Evangelhos.
No sofrimento, a raiz da glória
Nossa vida na terra pode ser definida como uma grande prova. Esta é posta pelo Criador para todos os seres inteligentes. Nem Adão e Eva e os Anjos escaparam. Nossos primeiros pais expulsos do paraíso perderam os privilégios concedidos por Deus. A ciência infusa, com o qual conheciam os segredos da natureza, a impassibilidade e o dom da integridade faziam com que suas paixões e seus impulsos estivessem alinhados à lei Divina. A sensibilidade e a vontade eram governadas pela razão perfeitamente equilibrada, e esta submetida, docilmente, às determinações de Deus.
Só conhecendo de perto Nosso Senhor e Nossa Senhora para termos uma ideia exata de tal privilégio, pois em ambos, desde a concepção, não havia passado por Eles a sombra do pecado.
Para o homem, depois da queda, todos os elementos que constituem a vida material e espiritual trazem leis contraditórias, devido ao pecado, que se chocam em nosso interior. Eis a razão de São Paulo afirmar: “No meu intimo, eu amo a lei de Deus; mas percebo em meus membros outra lei da minha razão e que me torna escravo da lei do pecado que está nos meus membros”(Rm7, 22-23).
A solução se encontra em um fator a respeito do qual houve quem o aproximasse dos sacramentos como sendo o oitavo: o sofrimento. O professor Plinio Corrêa de Oliveira designava como “sofritiva”, que consiste em uma “capacidade e necessidade de sofrer”. Precisamos passar pelo exercício do sofrimento para que se equilibre a nossa natureza desordenada. E quando a nossa faculdade de sofrer “não se esgota pelo sofrimento efetivo, acaba determinando uma frustração maior que faz sofrer mais do que o sofrimento. Uma das razões profundas dos desequilíbrios modernos é que as pessoas não sofrem, porque acabam estabelecendo a idéia de que é possível levar uma vida sem sofrimento”. Deus que nos criou ávidos em encontrar felicidade, também colocou em nossa alma a capacidade de sofrer.
No evangelho Nosso Senhor institui a Eucaristia e depois de Judas receber o pão molhado, a morte entrou nele, abandonou o colégio apostólico para trair o Senhor. Jesus sabia de todos os sofrimentos que iria passar, mas em sua humanidade ainda não sofrera a deslealdade. Cristo recebeu aquela ingratidão com equilíbrio perfeito, num estado de espírito perfeitamente resignado. Contudo sabia que através dessa aceitação viria a sua glória.
Sua exaltação consistiu em ser preso, passar por todos os sofrimentos da condenação, subir ao Calvário, ser levantado na Cruz e ali derramar todo o seu Sangue até ao transpassamento do seu lado. Ele rejeitou as prerrogativas do corpo glorioso para padecer em um corpo semelhante ao nosso, pois assim o Pai o queria com vistas na glória eterna. O sofrimento bem aceito, amado e assumido Lhe obteve o triunfo, o que significa que o Pai não exigia glória nem esplendores, mas apenas a conformidade com a dor.
A nossa glória também é obtida pelo sofrimento. Os dramas que temos de enfrentar são indispensáveis para a conquista da eternidade feliz. Com sabedoria nos diz São Francisco de Sales: “O sofrimento dos males é a mais digna oferta que podemos trazer Àquele que nos salvou sofrendo”. Ao aceitarmos os sofrimentos introduzimos na alma a paz, pois fazemos calar em nós o egoísmo. Desse modo quando nos abater a tribulação, nunca devemos murmurar contra Deus pelo fato de tê-la permitido; devemos seguir o exemplo de Cristo que exclamou: “Se for possível afasta de mim este cálice, mas faça-se antes a tua vontade do que a minha” (Lc 22,42). É certo de que tudo o que nos acontece é para o bem das nossas almas, pois Ele não pode querer para nós o mal.
Para que a dor bem aceita dê seus frutos, Jesus nos oferece um meio mais seguro: um novo mandamento para guiar a conduta de todos os que se consideram seus discípulos. “amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vos deveis amar-vos uns aos outros”. Essa é a virtude e o sinal distintivo dos homens santos. Enquanto Deus, Ele quer a cada um com amor perfeito e infinito, e a partir da sua humanidade, nos quer como irmãos. Deus amou tudo o que criou, pois colocou em sua obra a sua semelhança; porém, nos seres inteligentes, colocou a sua imagem. Este ponto de partida nos abre novas perspectivas para o convívio humano, que passa a ser pautado pela procura mútua, nos outros, dos reflexos da bondade que existem em Deus num grau infinito.
Deus está disposto a tudo para nos salvar, até padecer morte na cruz. Por essa razão o nosso amor para com os outros também deve ser levado até as ultimas conseqüências, ambicionando para eles o que Deus quer para cada um: a santidade. É oportuno também lembrar que se o amor pelos outros deve ser assim, como é mal concebida a prática da virtude da humildade. Temos a tendência de usarmos as nossas fraquezas para nos autodestruir, indo contra o amor de Deus. Quando fazemos algo de bom e Ele nos premeia, não está exaltando o nosso esforço, mas os seus próprios dons.
São João indica o local destinado a todos os que seguirem as recomendações do Redentor, onde não existe mais dor e a alegria é plena na visão de Deus face a face. Como escreveu Santa Terezinha: “quando penso que por um sofrimento suportado com alegria, amaremos melhor a Deus durante toda a eternidade!”.
O convívio com Deus, os anjos, os santos e Nossa Senhora é o que nos aguarda; mas, para chegarmos a esse Reino, aceitemos com resignação todos os sofrimentos permitidos pela Providência Divina para o nosso bem e amemos nossos irmãos com sincera afeição.