XVII Domingo Tempo Comum
Resumo dos Comentários de Mons. João Scognamiglio Clá Dias, no Inédito Sobre os Evangelhos.
O amigo inoportuno
Retrocedamos dois mil anos de História, e analisemos de perto uma caravana avançando pelo deserto, sobre asnos ou camelos em pleno dia ensolarado de um tórrido verão. Poeira, sede, calor e cansaço são os companheiros a cada passo, tornando muito penosos os traslados. Esta era uma das razões pelas quais os orientais muitas vezes preferiam o deslocamento noturno.
Aqueles tempos possuíam costumes bem mais simples em relação aos atuais e, sem aviso prévio, um amigo podia se apresentar à porta a qualquer hora do dia ou da noite. Caso a visita se desse no horário do sono, bastava estender uma esteira num canto da sala, que o hóspede ficaria muito contente. Se sua fome fosse considerável, sobretudo no caso de não haver jantado, alguns pães com azeite e especiarias seriam suficientes.
Jesus sempre se apoia em fatos comuns da vida cotidiana para fazer entender as profundezas das verdades da fé. Normalmente, aquelas pessoas do tempo de Nosso Senhor realizavam suas atividades com a luz do dia e, por volta das nove da noite, o silêncio dominava as casas. O “amigo” dessa parábola chega justamente na hora mais incômoda. Mas o inconveniente maior é o fato do anfitrião não ter pão em sua despensa. A única saída era recorrer aos vizinhos.
A situação descrita é constrangedora. Reportando-se aos costumes da época, podemos afirmar que a posição de maior incômodo era a do pai de família, pois tinha os seus já acomodados, e sabia que para chegar a despensa, no meio da noite e sem luz elétrica, eventualmente pisaria nesse ou naquele. Portanto, era conveniente que todos se levantassem. Ora, com um tal diálogo a altas vozes era de supor que todos houvessem despertado. Faltava-lhes somente boa vontade. Trata-se de um caso típico de uma mescla entre a preguiça e o egoísmo. Entretanto fica claro que, apesar de sua má vontade, o pai de família atende ao vizinho devido a sua importuna insistência, disposto a entregar a este a quantia de pães que quisesse.
Assim, Jesus nos mostra a importância da perseverança na oração. Não se pode ter a menor retração ao entrarmos em conversação com Deus. Neste caso as normas de polidez são contraproducentes, pois Ele quer a ousadia de nossa parte. Ele deseja ser importunado por nós e fará por nós muitíssimo mais do que aquele pai de família. Nosso Senhor nunca se irrita; pelo contrário, se alegra com a nossa insistência. Quando a nossa obstinação atingir o grau máximo de importunidade, teremos triunfado em nossa oração.
A Liturgia de hoje condensa em poucos versículos um verdadeiro tratado de oração. Nós devemos rezar sempre. Se Deus nos atende imediatamente, com alegria saibamos agradecer-Lhe, aproveitando-nos de sua infinita paternidade. Caso nos submeta à prova da demora, jamais devemos desanimar, pois o viajante obteve sem tardança e dificuldade o alimento e hospedagem de que necessitava, devido à amizade de seu anfitrião; e este, por sua pertinaz insistência, conseguiu os pães indispensáveis para atender a seu hóspede.
Enfim, tanto um quanto outro seriam bem melhor servidos se pudessem ter recorrido a Maria, Mãe da Misericórdia, a Medianeira de todas as graças.