Solenidade de Cristo Rei
Resumo dos Comentários de Mons. João Scognamiglio Clá Dias, no Inédito Sobre os Evangelhos.
A Igreja, manifestação suprema do reinado de Cristo.
O júbilo e até mesmo a emoção, penetram nossos corações ao contemplarmos estas inflamadas palavras de São Paulo: “Cristo amou a Igreja e Se entregou a Si mesmo por ela, para a santificar, purificando-a no batismo da água pela Palavra, para apresentar a Si mesmo esta Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada” (Ef 5, 25-27).
Porém, ao analisarmos a Igreja militante, na qual hoje vivemos, com muita dor encontramos imperfeições – ou, pior ainda, faltas veniais –, conferindo opacidade a essa glória mencionada por São Paulo. Entre as ardentes chamas do Purgatório, está a Igreja padecente, purificando-se de suas manchas. E até mesmo, a triunfante possui suas lacunas, pois, exceção feita da Virgem Santíssima, as almas dos bem-aventurados foram para o Céu deixando seus corpos em estado de corrupção, onde aguardam o grande dia da Ressureição.
Portanto a “Igreja gloriosa e imaculada”, manifestação suprema da Realeza de Cristo, ainda não atingiu sua plenitude. E quando triunfará Cristo Rei? Só mesmo depois de derrotado seu último inimigo, a morte! Pela desobediência de Adão, o pecado e a morte entraram no mundo e pelo Preciosíssimo Sangue Redentor, Cristo infunde nas almas sua graça divina e aí já se dá o triunfo sobre o pecado. Mas a morte será rendida com a Ressureição no fim do mundo conforme o próprio São Paulo nos ensina:
“Porque é necessário que Ele reine, ‘até que ponha todos os inimigos debaixo dos seus pés’. Ora, o último inimigo a ser destruído, será a morte, porque Deus, ‘todas as coisas sujeitou debaixo dos seus pés’” (ICor 15,25-26).
Cristo Rei, por força da Ressureição que por Ele será operada, arrancará das garras da morte a Humanidade inteira, como também iluminará os que purgam nas regiões sombrias. Cristo é Rei por ser Homem-Deus e recebeu poder sobre toda Criação no momento em que foi engendrado. Daí se deduz ter sido realizada no puríssimo claustro maternal de Maria Virgem a excelsa cerimônia da unção régia que elevou Cristo ao trono de Rei natural de toda a humanidade. O Verbo assumiu de Maria Santíssima nossa humanidade, e assim adquiriu a condição jurídica necessária para ser chamado Rei, com toda propriedade. Foi também neste mesmo ato que Nossa Senhora passou a ser Rainha. Uma só solenidade nos trouxe um Rei e uma Rainha.
Agora sim, estamos aptos a entender e amar a fundo o significado do Evangelho de hoje. A resposta ao povo e aos príncipes dos sacerdotes que escarneciam contra Jesus: “Salvou os outros, salve-Se a Si mesmo, se é Cristo, o escolhido de Deus”, como também os próprios soldados romanos em seus insultos: “Se és o Cristo, salva-Te a Ti mesmo”, transparece claramente nas premissas até aqui expostas.
Eles eram homens sem fé e desprovidos do amor a Deus, julgando os acontecimentos em função de seu egoísmo e por isso levados a se esquecerem de sua contingência. Cegos de Deus, já há muito afastados de sua inocência primeva, perderam a capacidade de discernir a verdadeira realidade existente por trás e por cima das aparências de derrota que revestiam o Rei eterno transpassado de dor sobre o madeiro, desprezado até pelas blasfêmias de um mau ladrão. Não mais se lembram os portentosos milagres por Ele operados, nem sequer de suas palavras: “Julgas por ventura que Eu não posso rogar a meu Pai e que poria já ao meu dispor doze legiões de Anjos?” (Mt 26,53). Sim, se fosse de sua vontade, numa fração de segundo poderia reverter gloriosamente aquela situação e manifestar a onipotência de sua realeza, mas não quis, como o fez em outras ocasiões: “Jesus sabendo que O viriam arrebatar para O fazerem rei, retirou-se de novo, Ele só, para o monte” (Jo 6,15).
Quem discerniu em sua substância a Realeza de Cristo foi o bom ladrão, por se ter deixado penetrar pela graça. Arrependido ao extremo, aceitou compungido as penas que lhe eram infligidas, e reconhecendo a inocência de Jesus no mais fundo de seu coração, proclamou os segredos de sua consciência para defendê-Lo das blasfêmias de todos: “Nem tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? Quanto a nós se fez justiça, porque recebemos os castigos que mereciam nossas ações, mas Este não fez nenhum mal”. Eis a verdadeira retidão. Primeiro, humildemente ter dor dos pecados cometidos; em seguida, com resignação abraçar o castigo respectivo; por fim, vencendo o respeito humano, ostentar bem alto a bandeira de Cristo Rei e aí suplicar-lhe: “Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no teu reino!”.
Tenhamos sempre bem presente que só pelos méritos infinitos da Paixão de Cristo e auxiliados pela poderosa mediação da Santíssima Virgem nos tornaremos dignos de entrar no Reino.
Seguindo os passos da conversão final do bom ladrão, poderemos esperar com confiança ouvir um dia a voz de Cristo Rei dizendo também a nós: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso”.