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Duas Maternidades

Dentre as leis que regem a estética do universo, participa a dos “contrastes harmônicos”. Ao pintar um quadro, por exemplo, combinamos cores as quais, muitas vezes, são opostas a princípio, mas que se associam posteriormente a ponto de produzir verdadeiras obras de arte. Com relação à alma dos santos, analogamente, tal fenômeno também se realiza.

Como exemplo desta regra, posto em fatos na vida de Maria Santíssima, dois são os episódios que podemos destacar da presente semana que segue o seu curso.

Num deles, a alma d`Ela, a bem dizer, nunca esteve tão cheio de gáudio (ao menos nesta terra), vendo-se tomada de entusiasmo, no sentido literal da palavra, merecendo do próprio arcanjo São Gabriel uma inestimável saudação: “Ave Maria, gratia plena, Dominus Tecum”(Lc 1,28).

Trata-se da Anunciação, solenidade comemorada neste mês de março (dia 25), ocasião em que, por obra do Espírito Santo, as virtudes de Maria alcançaram-nos a vinda de Cristo para a nossa Salvação. Ela que queria ser a escrava da mãe do Messias, achou graças diante de Deus, quem a escolheu como Aquela que o geraria.

Neste sentido, ensina-nos São Bernadino de Sena, que “Toda graça que é comunicada a esta terra passa por três ordens sucessivas. De Deus é comunicada a Cristo, de Cristo à Virgem, e da Virgem a nós” (S. Bernardino de Sena, Sermo VI in Festis B. M. V., De Annunciatione, a. 1, c. 2). Completa ainda o Doutor Angélico, ao afirmar que “Por meio da Anunciação, aguardava-se o consentimento da Virgem, em nome e em representação de toda a natureza humana”(S. Tomás, 3, q. 30, a. 1).

 

Entretanto, após aproximadamente 33 anos, este gáudio extraordinário que teve por ápice, por certo, a noite de Natal, se alternaria a um paradoxo inimaginável: o Filho Bendito de suas Virginais Entranhas, que tantas vezes trouxera piedosamente em seus braços, se vê todo chagado e desfigurado na hora derradeira em que fora descido da Cruz!

Ó alegria da Anunciação… Oh! Tristeza e dor da Paixão! Que contraste harmônico magnífico marcou a alma d`Ela, o qual nos convida à presente reflexão: qual dos dois lances merece maior louvor?

No primeiro, “O Verbo se fez Carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Como pensar algo mais santo e sublime?

No entanto, ensina-nos a Doutrina Católica que após a crucifixão, a fé da Igreja foi sustentada exclusivamente por Nossa Senhora, dado que somente Ela cria piamente na Ressureição.

Apresenta-se, então, sua “segunda maternidade”, uma vez que além de ser Mãe de Cristo, cabeça da Igreja, é também Mãe dos homens, corpo místico da Igreja.

Leão XIII, em sua Carta Encíclica Octobri Mense, assegura-nos de tal modo o papel da Virgem enquanto Mãe, que de suas próprias palavras, destacamos:“Tal no-la deu o próprio Deus, que, havendo-a escolhido para Mãe de seu Unigênito, infundiu-lhe, por isso mesmo, sentimentos requintadamente maternos, capazes somente de bondade e de perdão. Tal no-la mostrou Jesus, quer quando consentiu em ser sujeito e obedecer a Maria, como um filho a sua mãe, quer quando, do alto da Cruz, confiou às suas amorosas solicitudes todo o gênero humano, na pessoa do discípulo João. Tal, enfim, se mostrou ela mesma quando, acolhendo generosamente a pesada herança que lhe deixava seu Filho moribundo, desde aquele momento começou a cumprir, para com todos, os seus deveres de Mãe.”

Enfim, eis aqui apenas uma visão deste maravilhoso e insondável caleidoscópio das virtudes de Maria, que a fazem, devotamente, Mãe de Deus e da Igreja, Rainha e medianeira de todos nós. Saibamos, pois, proclamar como em Éfeso, o título Theotokos de Maria bem como recorrer sempre a Ela, inspirados para isso na Sagrada Liturgia:“Mostra-te nossa Mãe, e por meio de ti acolha nossas preces Aquele que, nascido para nós, quis ser teu Filho”.

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Devoção a Nossa Senhora – Comentários à Salve Rainha – (Parte V)

 Salve, Rainha, Mãe de misericórdia,

vida, doçura e esperança nossa, salve!

A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva.

A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei.

E depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria.

V. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo

A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas

A incomparável bondade de Deus presenteou o mundo e os homens que nele habitam com uma quantidade enorme de belos e encantadores vales.

O Grand Canyon, Colorado, EUA

Esses acidentes geográficos podem variar enormemente de extensão, comportando apenas alguns quilômetros, como também milhares de quilômetros quadrados de área. Geralmente se constituem em uma área de baixa altitude, na qual corre um rio, cercado de montanhas. Podem ser vales desertos e quase sem vegetação, como o Grand Canyon, localizado nos Estados

Castelo de Neuschwanstein, Alemanha

Unidos e descoberto por espanhóis no século XVI. Este vale, imenso, chega a ter profundidades de 1.600 metros! Podem ser também imensos vales verdejantes, cercados por montanhas cobertas por neve, ou por abundantes florestas verdes, nas quais, com elegância, pode um imponente castelo ocupar lugar de destaque na paisagem, como por exemplo o Castelo de Neuschwanstein, que por sua graça e beleza é o edifício mais fotografado na Alemanha.

Na França existe um vale muitíssimo famoso, o Vale do Loire, também conhecido como Jardim da França. Toda a paisagem do rio Loire é coberta por castelos magníficos, que demonstram como a genialidade humana, quando corresponde aos estímulos do Evangelho, pode emoldurar ainda mais a já privilegiada natureza da região. A esses castelos acorrem visitantes do mundo inteiro, em todas as épocas do ano, para contemplar a sua grandiosidade e beleza únicas. Seus castelos mais famosos são os de Chambord e Chenonceau, além de outras dezenas, igualmente visitados e referenciados.

Castelo de Chenonceau, Vale do Loire, França

 

Castelo de Chambord
Vale do Loire, França

Neste nosso Brasil, abençoado por Deus com uma natureza rica e variada, temos também os nossos verdes e exuberantes vales, cujos rios caudalosos fazem os rios da Europa parecerem pequenos riachos. São também de uma beleza extraordinária e proporcionam àqueles que os visitam uma sensação de bem estar, como que uma antessala do que seria o Paraíso terrestre, do qual, em consequência do pecado, foram expulsos nossos primeiros pais.

Em outras palavras, a admiração a esses vales nos remete à grandeza de Deus e nos fazem imaginar como será o Céu, que Ele tem preparado para nós desde toda a eternidade. Enfim, seja para um descanso de férias, seja numa viagem a trabalho, quantos de nós não gostariam de visitar, conhecer e – quem sabe! até morar em um desses vales. De fato, não seria pequena a satisfação de constantemente contemplar a natureza intocada, ou a natureza redesenhada pelo homem, cuja contemplação nos remete a nosso fim último.

No entanto, ainda como consequência do pecado de nossos primeiros pais, nós somos constrangidos a morar e a conviver uns com os outros em outro vale: O vale de lágrimas. Com efeito, a oração da Salve Rainha, nos convida a recorrermos a Nossa Senhora, “suspirando, gemendo e chorando neste vale de lágrimas”. Esta frase nos indica que não podemos ter felicidade plena, completa, nesta terra. Sempre estaremos cercados de problemas, ou doenças, ou provações, algum tipo de infelicidades, as quais nos fazem suspirar, gemer e chorar. E esse nosso lamento só pode ser aliviado com a presença de Deus em nossas vidas. Por que Deus permite que isso seja assim? Comenta o Monsenhor João Clá, EP, fundador dos Arautos:

Assim como o carvão, para se transformar em diamante, precisa ser submetido às altíssimas temperaturas e pressões encontradas nas entranhas da Terra, nossas almas necessitam do sofrimento, neste vale de lágrimas, para merecermos a glória celeste. E para bem suportarmos os padecimentos que nos esperam, façamos, por intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, o pedido contido no salmo: ‘Sobre nós venha, Senhor, vossa graça, pois em Vós esperamos’ (Sl 32, 22)”(1).

Portanto, sempre que tivermos sofrimentos a enfrentar – e sempre os teremos, somos convidados a recorrer a Nossa Senhora, que poderá nos amparar com as suas graças. Nesse sentido, ensina-nos Santo Afonso de Ligório:

Que o recorrer, pois, à intercessão de Maria Santíssima seja coisa utilíssima e santa, só podem duvidar os que são faltos de fé. O que, porém, temos em vista provar é que esta intercessão é também necessária à nossa salvação. Necessária, sim, não absoluta, mas moralmente falando, como deve ser. A origem desta necessidade está na própria vontade de Deus, o qual pelas mãos de Maria quer que passem todas as graças que nos dispensa.”(2)

Exatamente no mesmo sentido, complementa S. Luís Maria Grignion de Montfort:

Deus Espírito Santo comunicou a Maria, sua fiel esposa, seus dons inefáveis, escolhendo-a para dispensadora de tudo que ele possui. Deste modo ela distribui seus dons e suas graças a quem quer, e dom nenhum é concedido aos homens, que não passe por suas mãos virginais. Tal é a vontade de Deus, que tudo tenhamos por Maria e assim será enriquecida, elevada e honrada pelo Altíssimo, aquela que, em toda a vida, quis ser pobre, humilde e escondida até ao nada”(3)

Temos em nossas vidas momentos de calmaria, mas temos também momentos de tempestade. O mais importante é estarmos sempre agarrados à mão de nossa Protetora, Aquela que nos ajuda a atravessar o vale de lágrimas e chegar ao outro lado. Que a nossa confiança cresça a cada dia, e não deixemos jamais de recorrer ao auxílio de nossa Mãe Santíssima!

Por Prof. João Celso

Na próxima parte:

Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei

1) Monsenhor João Clá Dias. Há vida sem sofrimento? Revista Arautos do Evangelho, Outubro/2012, p. 10 a 17.
2)Santo Afonso Maria de Ligório. Glórias de Maria. 3ª. ed. Aparecida: SP, Editora Santuário, 1989. p. 132
3)São Luis Maria G. de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. 38ª. Ed. Petrópolis: RJ, Vozes, 2009. P. 31

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Devoção a Nossa Senhora – Comentários à Salve Rainha – (Parte IV)

Salve, Rainha, Mãe de misericórdia,

vida, doçura e esperança nossa, salve!

A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva.

A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei.

E depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria.

V. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo

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A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva”

Os santos são sempre enfáticos e unânimes ao se referirem ao papel de Nossa Senhora como nossa intercessora e nunca haverá o caso de algum santo (canonizado pela Igreja ou não) que não tenha sido propagador incansável da Devoção à Maria Santíssima.

Como refere São Luís Maria Grignion de Montfort, ter uma verdadeira devoção a Nossa Senhora é “sinal infalível e indubitável” de salvação e de santidade(1)

Estes comentários à Salve Rainha, têm sido escritos, por pura Graça da Providência divina, com a ajuda inestimável das obras de Santo Afonso Maria de Ligório, São Luís Maria Grignion de Montfort e outros destacados santos e autores marianos, além do precioso Catecismo da Igreja Católica.

Quem sabe, quando estivermos todos reunidos no Céu (ardentemente imploramos a Nossa Senhora a Graça de lograrmos êxito), pois para isso fomos criados(2), quem sabe! poderemos pedir a esses santos que nos façam um “Simpósio” (de no mínimo 1.000 anos de duração!), apenas para nos explicar a oração da Salve, Rainha. Já pensaram? Se quando ainda viviam no mundo, quando aqui ainda estavam “degredados”, esses santos doutores já tinham palavras angelicais para nos formar nessa devoção, como será agora que estão no céu, na visão beatífica, quando podem ter a graça de pedir diretamente à Santíssima Virgem que lhes esclareça, que lhes explique, que lhes mostre, enfim, todos os esplendores desta magnífica devoção? “Ó altura incompreensível! Ó largura inefável! Ó grandeza incomensurável. Ó abismo insondável”(3).

Cerro Torres – Argentina (Foto: Patrícia Alarcón)

Esse pensamento deve nos animar no caminho da santidade, deve nos confortar para carregarmos a nossa cruz com alegria, renovar a nossa esperança na intercessão de Nossa Mãe Santíssima.

Tem-nos feito companhia, também, com seus escritos, nestas meditações, o Monsenhor João Clá Dias, fundador dos Arautos do Evangelho, ele mesmo, um ardoroso e incansável propagador da Devoção à Nossa Senhora, com inúmeras obras publicadas no Brasil e no exterior, as quais, de modo atraente e acessível, exaltam as grandezas da Mãe de Deus.

Nesta invocação, pedimos o auxílio de Nossa Senhora, na condição de filhos “degredados de Eva”. Para bem meditarmos sobre o alcance desse pedido, em primeiro lugar devemos refletir sobre a dureza do exílio.

Talvez muitos de nossos leitores já tenham experimentado a sensação de viver por um período no exterior, numa terra estranha. É comum muitas pessoas partirem para outros países, buscando melhores condições de vida; em geral viajam sós, deixando atrás de si filhos, esposa ou esposo, pais, mães, amigos. Às vezes esperam por anos a fio o momento em que a situação melhore e que a família possa se reunir novamente. Às vezes isso acontece; às vezes, não. Há alguns anos atrás, muitos brasileiros viajavam para lugares distantes: Japão, Europa, etc., em busca de uma vida melhor. Hoje em dia são os bolivianos, os haitianos, etc., que vem para o Brasil, em busca de oportunidades. Quanto desacerto, quantas dificuldades, quantas tristezas podem resultar desse exílio! Uma cultura estranha, uma língua desconhecida, sem amigos, sem apoio da família, enfim, uma vida de sofrimento material e espiritual.

Poderíamos mencionar ainda, os exilados involuntários, o exílio da prisão, o exílio da solidão, das doenças, etc.

A própria Sagrada Família, ao obedecer à voz do Anjo, partiu para o Egito, fugindo de Herodes. Podemos imaginar a angústia e o sofrimento de S. José nessa empreitada, sempre buscando obedecer em primeiro lugar a Deus, ao mesmo tempo em que buscava proteção para a Virgem e o Menino. (Cf. Mt 2, 13-15).

Estamos todos numa terra de exílio

Ora, “degredados” significa “desterrados”, “exilados”. E este é justamente o estado em que nos encontramos todos, nesta terra de exílio, a caminho de nossa pátria definitiva. Nosso lugar é o Céu e para lá nos dirigimos. Com muita propriedade, Santo Agostinho, resume a inquietude de nossa natureza em busca do Divino, escrevendo: “Criaste-nos para Vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousar em Vós”.(4) Portanto, “degredados” somos, enquanto não atingirmos nosso último destino.

Eva e Adão

Enquanto vivemos nesta terra, nós, como verdadeiros “filhos de Eva”, necessitamos constantemente da Graça Divina, pois, sem esse auxílio eficaz e vigoroso, não somos capazes, por nós mesmos, de progredir e continuar trilhando o caminho do Céu.

Filhos de Eva, expressão que nos lembra a nossa condição de “implicados no pecado de Adão”(5), pois, como consequência do pecado cometido pelos nossos primeiros pais, também nós perdemos a santidade na qual o gênero humano foi inicialmente criado. “Adão e Eva cometem um pecado pessoal, mas este pecado afeta a natureza humana”(6), que passa a ter “inclinação para o mal e para morte”(7). Complementa Santo Afonso: “Como pobres filhos da infortunada Eva, somos réus da mesma culpa e condenados à mesma pena. Andamos errando por este vale de lágrimas, exilados de nossa pátria, chorando por tantas dores que nos afligem no corpo e no espírito”(8)

Bradamos, portanto, o auxílio da graça, pela intercessão de Maria Santíssima. “Bradar!”, muito mais do que simplesmente pedir; nós pedimos em alta voz, como que, “aos gritos”.

Bradamos o auxílio de Maria porque Ela também conhece o que é o exílio. Não apenas por que, com São José exilou-se no Egito (como já referido acima), mas, sobretudo, após a Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo, permaneceu ainda na Terra por muitos anos, para confirmar e ajudar a Igreja nascente, embora em seu coração desejasse mais do que tudo unir-se a seu Divino Filho, no Céu. Quantos anos permaneceu Nossa Senhora exilada antes de subir ao Céu? “A Tradição nos diz que a Virgem Maria permaneceu longo tempo na Terra depois da Ascensão de seu Divino Filho, cerca de vinte e três anos, reunindo, na vida mais resignada e humilde, o tesouro de méritos cujo prêmio havia de gozar (…). Chegada aos setenta e dois anos, o anúncio de seu fim interrompeu o silêncio de sua existência”(9)

Brademos, portanto, com confiança o auxílio de Nossa Mãe Santíssima, enquanto nos encontrarmos nesta terra de exílio.

Nossa Senhora do Desterro, rogai por nós!

Por Prof. João Celso

Na próxima parte:

A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas”

1)São Luís Maria G. de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. 38ª. Ed. Petrópolis: Vozes, 2009. p.36
2) Catecismo da Igreja Católica. 10ª. Ed. S. Paulo: Loyola, 2000. P. 36
3) São Luís Maria G. de Montfort, Op.cit., p. 20
4)Santo Agostinho. Confissões. 9ª. Ed. Petrópolis: Vozes, 1988. P. 23
5)Catecismo da Igreja Católica, Op. cit. n. 402
6) Ibidem, n. 404
7) Ibidem. N. 403
8)Santo Afonso Maria de Ligório. Glórias de Maria. 3ª. Ed. Aparecida: Editora Santuário, 1989 P. 113.
9)Monsenhor João Clá Dias, EP. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. 2ª. Ed. São Paulo: ACNSF/Loyola, 2011. p. 153

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Devoção a Nossa Senhora – Comentários à Salve Rainha – (Parte III)

Salve, Rainha, Mãe de misericórdia,

vida, doçura e esperança nossa, salve!

A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva. A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei.

E depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria.

V. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo

Vida, doçura e esperança nossa, salve!”

Implorando à Nossa Mãe Santíssima que nos conceda graças especiais, vamos avançando na meditação desta magnífica oração da Salve, Rainha, objetivando que ela seja rezada com devoção cada vez maior e que constitua para cada um em particular um doce hino de louvor prestado à Rainha do Céu e da Terra.

Nas invocações desta segunda frase, a Igreja nos convida, em primeiro lugar, a chamarmos nossa Rainha de vida. Sendo assim, consideremos o significado desta invocação. Quando começa, de fato, a nossa “vida”? Em termos naturais, pode-se afirmar que a vida começa no momento da concepção, embora correntes não-católicas queiram considerar que a vida se inicia apenas em certas etapas do desenvolvimento do embrião ou feto, ou mesmo, apenas no momento efetivo do nascimento da criança. Com efeito, conforme ensina o Catecismo da Igreja Católica, “a vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção”(1)

Porém, muito mais importante que o começo de nossa vida natural, física, é o início da nossa verdadeira vida (no sentido mais pleno da palavra, sob o ponto de vista católico), que começa no momento de nosso Batismo, o qual para nós “é a fonte da vida nova em Cristo, fonte esta da qual brota toda a vida cristã”(2). Se compreendermos, portanto, que a verdadeira vida vem da graça de Deus, e que Maria Santíssima é a Mãe da Divina Graça, fica fácil compreender por que a Igreja nos recomenda chamá-la, nesta oração, de vida. Muito claramente trata Santo Afonso de Ligório a respeito deste ponto:

“Para a exata compreensão da razão por que a Santa Igreja nos ordena que chamemos a Maria nossa vida, é necessário saber que, assim como a alma dá vida ao corpo, assim também a graça divina dá vida à alma. Uma alma sem a graça divina só tem nome de viva, mas na realidade está morta (…) Obtendo Maria por meio de sua intercessão a graça aos pecadores, deste modo lhes dá vida”.(3)

Ou seja, uma pessoa que esteja privada da graça da Deus, não tem em si a vida verdadeira; tem apenas uma aparência de vida. Portanto, se tivermos a infelicidade de pecar ofendendo a Deus gravemente, perdendo a vida da graça em nós, rapidamente procuremos o Seu perdão, para recobrar a vida plena. Como nos ensinam os santos, procuremos Maria, para que Ela nos obtenha de volta a nossa vida, que é Jesus Cristo!

Além de nos obter de volta a nossa vida quando pecamos, Maria Santíssima também nos obtém a graça da perseverança: mantém acesa em nós a chama da vida da graça.

Maria Santíssima é também nossa doçura.

No Tratado da Verdadeira Devoção, S. Luís comenta que “nossas melhores ações são ordinariamente manchadas e corrompidas pelo fundo de maldade que há em nós” (4), portanto ao fazermos um sério e rigoroso exame de consciência, ao analisarmos detidamente como tem sido nossa vida até hoje, reconhecemo-nos inteiramente necessitados do perdão e da misericórdia de Deus. Por vezes, pode assaltar-nos um sentimento de temor diante de nossas misérias e pecados. Qual será nosso destino eterno se não nos convertermos verdadeiramente? A vista da sentença do juiz e do grave “apartai-vos de mim” (cf. Lc 13,27) pode – e deve – fazer-nos tremer de pavor.

Mas, qual não deve ser o nosso consolo, a nossa confiança, ao pensarmos na doçura de nossa Mãe Santíssima, que intercede por nós junto ao Juiz, que é seu próprio Filho? Como auxílio de Maria, nada devemos temer, pois é Ela “perfeitamente afável, doce, misericordiosa e condescendente para que aqueles que A invocam. A esta Mãe clementíssima devemos o fato de haver suavidade em nossa vida. Ela nos obtém a graça divina e, portanto, forças para a prática da virtude. Ora, a virtude é o que há de doce no existir humano. Sem ela, nossa vida seria amarga e sinistra. Assim, Nossa Senhora é a doçura que, proporcionando-nos a virtude, confere suavidade à nossa existência terrena”.(5)

Esperança nossa, Salve!

Muitas vezes nos decepcionamos por colocar a nossa esperança nas criaturas. Em geral temos muitos amigos, mas, infelizmente a maioria deles costuma desaparecer nas horas de dificuldade e, repentinamente, nos vemos sozinhos diante de nossos problemas, sejam eles de qualquer natureza: doenças, problemas na família, problemas financeiros, etc. “Os amigos verdadeiros e os verdadeiros parentes não se conhecem no tempo de prosperidades, mas sim no das angústias e desventuras. Os amigos do mundo não deixam o amigo, enquanto está em prosperidade. Mas o abandonam imediatamente, se lhe acontece uma desgraça ou dele se avizinha a morte”(6)

Felizes, portanto, aqueles que põem a sua esperança na intercessão de Maria Santíssima! Ela “não é uma esperança nossa; Ela é a esperança nossa. E esperança tal que, só por causa dEla, nossa existência se torna doce e suportável. Mãe de misericórdia, Ela é a vida, a doçura e a grande esperança dos degredados filhos de Eva”.(7)

Encerremos com Santo Afonso de Ligório:

Motivo tem, pois, a Igreja em aplicar a Maria as palavras do Eclesiástico (24,24), com as quais lhe chama a Mãe da santa esperança. Mãe que faz nascer em nós, não a esperança vã dos bens transitórios desta vida, mas a santa esperança dos bens imensos e eternos da vida bem-aventurada. Salve, esperança de minha alma, saudava-a S. Efrém, salve, é segura salvação dos cristãos, auxílio dos pecadores, defesa dos fiéis, salvação do mundo. Aqui pondera S. Boaventura que, depois de Deus, outra esperança não temos senão Maria e por isso a invoca ‘como única esperança depois de Deus’”(8).

Na próxima parte: “A vós bradamos, os degredados filhos de Eva”

1) Catecismo da Igreja Católica. N. 2270, p. 591
2) Ibidem, n. 1254, p. 349.
3) Santo Afonso Maria de Ligório. Glórias de Maria. 3ª. Ed. Aparecida: Santuário, 1989. P.. 74
4) S. Luís Maria G. de MOntfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Ssma. Virgem. 38ª. Ed. Petrópolis: Vozes, 2009. P. 82
5) Mons. João Clá Dias, EP. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. S. Paulo: Artpress, 1997. P. 310.
6) Santo Afonso de Ligório. Op.cit. p. 88
7) Mons. João Clá Dias, EP. Op.cit. p. 287
8) Santo Afonso de Ligório, Op.cit. p. 98

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Devoção a Nossa Senhora – Comentários à Salve Rainha – (Parte II)

 

Nossa Senhora Rainha dos Corações

Salve, Rainha, Mãe de misericórdia,
vida, doçura e esperança nossa, salve!
A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva.
A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas.
Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei.
E depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre,
ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria.

V. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.

R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo

Salve, Rainha, Mãe de Misericórdia”

Uma oração magnífica, completa, rica em significados, capaz de condensar, em uma única frase, vários aspectos da realeza e da maternidade de Nossa Senhora, resumindo, em doces palavras o papel dado a Ela por Deus, tendo em vista a nossa Salvação. Uma única frase comportaria anos de estudo, anos de meditação, quem sabe uma eternidade inteira devotada a saboreá-la. Pois, como menciona S. Luís no Tratado: “De Maria nunquam satis… Ainda não se louvou, exaltou, honrou, amou e serviu suficientemente a Maria, pois muito mais louvor, respeito, amor e serviço ela merece” (1).

Pois bem: o que significa para a nossa vida espiritual invocar Maria como Rainha, como Mãe de misericórdia? Em primeiro lugar, analisemos, com Santo Afonso de Ligório, Doutor da Igreja, o significado do título de Rainha dado a Nossa Senhora:

Santo Afonso Maria de Ligório

Tendo sido a Santíssima Virgem elevada à dignidade de Mãe de Deus, com justa razão a Santa Igreja a honra, e quer que de todos seja honrada com o título glorioso de Rainha. (…) Desde o momento em que Maria aceitou ser Mãe do Verbo Eterno, diz S. Bernardino de Sena, mereceu tornar-se Rainha do mundo e de todas as criaturas. (…) Se Jesus é rei do universo, do universo também é Maria Rainha. De modo que, quantas são as criaturas que servem a Deus, tantas também devem servir a Maria. Por conseguinte estão sujeitos ao domínio de Maria os anjos, os homens e todas as coisas do céu e da terra, porque tudo está também sujeito ao império de Deus.(2)

Citando vários teólogos, doutores e santos da Igreja, na mesma linha de pensamento, o Monsenhor João Clá, EP, fundador dos Arautos do Evangelho, explica em sua obra magistral Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado os fundamentos da realeza de Maria:

Os títulos pelos quais podemos chamar Nossa Senhora de Rainha, são os mesmos de Cristo. Na ordem sobrenatural a graça coloca Maria tão acima de toda criatura, que não pode deixar de ser a Rainha natural do mundo (incluídos homens e Anjos). A isto, porém, deve se acrescentar, como sempre, o título jurídico de sua maternidade, fonte de todas suas prerrogativas e funções. Maria é a Mãe do Rei e deve desfrutar das honras de Rainha-Mãe.

Maria participou estreitissimamente e de maneira muito especial, nas grandezas e nas humilhações de Jesus Cristo, para não ser com Ele coroada de glória e de honra, elevada com Ele acima dos próprios Anjos, partilhando sua soberania, Rainha-Mãe ao lado do Rei seu Filho.(3)

A realeza de Maria, portanto, é real, efetiva e procede da vontade do próprio Deus. Maria é Rainha. Porém, essa realeza é exercida, sobretudo, nos corações. Com sua brilhante devoção e com um amor ardoroso à Mãe de Deus, S. Luís assegura, no Tratado, que Maria “recebeu de Deus um grande domínio sobre as almas dos eleitos” e quer moldar no coração de seus súditos “as raízes de suas virtudes” e não poderá fazê-lo se não tiver sobre eles “direito e domínio”.(4)

Maria, Rainha dos Últimos Tempos

Pensar em “domínio”, ou, em “ser dominado” pode gerar certo desconforto em algumas almas; certa apreensão. Numa época em que predomina em muitos ambientes uma mentalidade de independência e de autossuficiência, pode parecer desproporcional que alguém exerça domínio sobre outro. Parte dessa mentalidade se deve ao fato de que, infelizmente, em muitos lugares do mundo, ainda existem tiranos que exercem o poder pela força, subjugando e explorando os mais fracos, sem nenhuma misericórdia, o que é abominável, sob todos os aspectos, perante Deus e perante os homens. Mas, temos que reconhecer que a maior tirania, sem dúvida é a escravidão ao pecado, que “desvia o homem de Deus, que é seu fim último e sua bem-aventurança”(5) E, nesse sentido, qual de nós pode dizer de si mesmo não ser carente da misericórdia de Deus? Quantas vezes temos que, a exemplo do publicano, bater no peito a cada dia e dizer: “Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador” (Cf. Lc 18,13). Dessa tirania do pecado, vem a nossa Rainha nos libertar!

O receio dá lugar a doce confiança

Devemos, pois, considerar, que ao mesmo tempo em que exerce a realeza e é Rainha em toda a acepção da palavra, Maria Santíssima é também Mãe de Misericórdia, Aí, certamente, a situação muda completamente e o receio dá lugar à doce confiança. Asseguram os santos que não há no mundo pecador tão perdido que não possa participar dessa misericórdia. Em uma revelação a Santa Brígida, Maria Santíssima lhe revelou o seguinte: “Eu sou Rainha do céu e Mãe de Misericórdia: para os justos sou alegria e para os pecadores sou a porta por onde entram para Deus”.(6)

Invoquemos a Maria, portanto, como Rainha dos nossos corações, pedindo a sua proteção para nossa vida, para os nossos problemas, para as nossas mais urgentes necessidades e para as necessidades do nosso próximo. Porém, invoquemo-la como uma Rainha que, ao mesmo tempo é Mãe de Misericórdia, pronta a nos atender em nossas penúrias, sempre que a ela recorrermos!

Por Prof. João Celso

1)# São Luís Maria G. de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. 38ª. Ed Petrópolis: Vozes,. ,2009, p. 22.
2)# Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787). Glórias de Maria. 3ª. Ed Aparecida: Ed. Santuário, 1989. P. 35
3) Mons. João Clá Dias, EP. Os títulos da Realeza de Maria. Disponível em: http://www.arautos.org/artigo/6462/III–ndash–Os-titulos-da-Realeza-de-Maria
4)# São Luís Maria G. de Montfort. Op.cit. p. 41 e 42.
5)# Catecismo da Igreja Católica, n. 1855. 10ª. Ed. São Paulo: Loyola, 2000. P. 497
6)# Santo Afonso Maria de Ligório. Op.cit., p. 41
 

Afresco de Mater Misericórdiae, diante do qual São Bento rezava, em sua juventude (Igreja de San Benedetto in Piscinula, confiada pelo Vicariato de Roma aos Arautos do Evangelho

Na próxima parte: “vida, doçura e esperança nossa”

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