Ao lermos as páginas da História, por vezes somos surpreendidos por certas formas de heroísmo. E nos perguntamos: de onde vem tanta coragem? É o que nos ocorre indagar ao considerarmos a vida e o martírio de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir (+107), cuja festa a Igreja celebra no dia 17 de outubro.
Estava este varão de Deus no governo da Igreja de Antioquia, quando foi condenado às feras. Conduziram-no à Roma, sob o imperador Trajano, onde foi martirizado. Durante a viagem escrevera sete cartas às numerosas Igrejas, ensinando-as com muita sabedoria a respeito de Cristo, da organização da Igreja e princípios fundamentais da religião cristã. ¹
Santo Inácio de Antioquia
Como se deu seu edificante martírio? Assim nos narra a Irmã Lays Gonçalves de Souza, EP:
“A multidão esperava delirante o momento do sangrento espetáculo. Vaias e escárnios ressoavam por aquele imenso edifício, o qual se tornaria túmulo e altar de glória de tantos bem-aventurados. Já se podiam contemplar os brutos animais, prontos para irromperem na arena e darem vazão aos instintos de sua voraz natureza. Porém, tais irrisões em nada perturbavam a paz de alma que acompanhava o zeloso pregador de Jesus Cristo, Santo Inácio de Antioquia. Nem o aparente fracasso diante dos homens, nem o rugir das feras famintas poderiam amedrontar ou diminuir os ardores de entusiasmo que inflamavam seu nobre coração. À agitação e ansiedade sucedeu um silêncio e grande suspense na turba pagã. As bestas avançavam velozmente, prontas para devorar o venerável ancião, quando um gesto de mão, de incomparável majestade, as deteve a meio caminho. Que teria sucedido? O homem de Deus desejava, antes de consumar seu holocausto e chegar ao termo de seus anelos, dirigir aos céus uma última e fervorosa oração. Tal era a convicção de ser atendido que estancou mesmo os leões devoradores. Embora almejasse ser triturado como trigo para ser oferecido como hóstia pura, pedia a Deus que atendesse aos rogos dos cristãos em fazer permanecer algo daquele doloroso martírio, a fim de estimular-lhes a fé. Finalmente, com gesto ainda mais decidido, o Santo deu ordem às feras, que em poucos segundos dilaceraram as carnes daquele novo Serafim.” ²
Qual era a dolorosa e ao mesmo tempo gloriosa intenção daquele ancião? Santo Inácio anteriormente assim a expressava em sua Carta aos Romanos:
“Deixai-me ser alimento das feras; por elas pode-se alcançar a Deus. Sou trigo de Deus, serei triturado pelos dentes das feras para tornar-me o puro pão de Cristo. Rogai a Cristo por mim, para que por este meio me torne sacrifício para Deus”. ³
Como explicar que um homem manifeste sua alegria em morrer, sendo comido pelas feras, e não encontrar vantagens nas delícias do mundo?
A esta pergunta, caro leitor, poderemos encontrar resposta na oração da Igreja, a Liturgia das Horas, no dia da Memória de Santo Inácio de Antioquia. Assim reza o Responsório:
“Não há nada que vos falte se tiverdes fé e amor em Jesus, nosso Senhor, pois são eles o princípio e o fim de nossa vida. O princípio é a fé e o fim é a caridade”. 4 [grifos nossos]
Aqui está a resposta simples e cristalina: é-se capaz das melhores obras e dos mais belos atos de heroísmo aquele que tem fé e amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Bem poderia servir de interpretação a este heroísmo de Santo Inácio, a oração ensinada por Mons. João Scognamiglio Clá Dias, Fundador dos Arautos:
“Ó meu Jesus, sem Vós nada posso fazer, meus méritos são nulos; minha inteligência, turva; minha vontade, enferma; meus sentimentos, enlouquecidos. […] Em união convosco sou capaz das mais ousadas virtudes, minha alma voa. Vós sois a fonte de todo bem existente em mim”. 5 [grifos nossos]
E assim compreenderemos que, se estamos “em Jesus Cristo, e Jesus Cristo em nós, não temos danação [mal] a temer; nem os anjos do céu, nem os homens da terra, nem criatura alguma nos pode embaraçar, pois não pode separar-nos da caridade de Deus que está em Jesus Cristo. Por Jesus Cristo, com Jesus Cristo, em Jesus Cristo, podemos tudo: render toda a honra e glória ao Pai, em unidade do Espírito Santo e tornar-nos perfeitos e ser para nosso próximo um bom odor de vida eterna”. 6
Que Santo Inácio de Antioquia nos obtenha esta fé e este amor a Nosso Senhor, capaz dos maiores heroísmos, seja no anonimato da vida de todos os dias, seja nos grandes lances da história pelos quais venhamos passar.
E para que isto ocorra de uma forma perfeita, que estabeleçamos com Maria Santíssima uma sólida devoção, pois é Ela o “meio fácil e seguro de achar Jesus Cristo”. 7
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1 Memória – Santo Inácio de Antioquia, Bispo e Mártir. In: Liturgia das Horas. Vol. IV. São Paulo: Vozes, Paulinas, Paulus, Editora Ave Maria, 1999, p. 1387.
2 Ir Lays Gonçalves de Sousa, EP. A elevação da mente a Deus. In http://ifte.blog.arautos.org/tag/mons-joao-scognamiglio-cla-dias/ – Acesso em 17 out. 15
3 Da Carta aos romanos, de Santo Inácio, bispo e mártir In: Liturgia das Horas. Vol. IV. São Paulo: Vozes, Paulinas, Paulus, Editora Ave Maria, 1999, p. 1388.
4 Responsório In Liturgia das Horas. Vol. IV. São Paulo: Vozes, Paulinas, Paulus, Editora Ave Maria, 1999, p. 1389.
5 João Scognamiglio Clá Dias. Via Sacra. São Paulo: Associação Nossa Senhora de Fátima, 2011, p. 6.
6 S. Luís Maria Grignion de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem 44ª. Ed. Petrópolis: Vozes, 2014, p. 66, tópico 61.
7 S. Luís Maria Grignion de Montfort. Idem, p. 66, tópico 62.
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