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Há maior paz que na Cruz de Nosso Senhor?

Às vezes, depois de um “dia corrido”, ao entrarmos em uma igreja, especialmente ornada de imagens esculturalmente belas, que representam de maneira artística e com talento, as virtudes próprias de santos e santas, sobremaneira, de Jesus e sua Mãe Santíssima, ficamos encantados e, por alguns instantes, paramos pensativos. Imaginemos que encontrássemos uma imagem de Nosso Senhor, por exemplo, como esta – ou próxima em semelhança desta que reproduzimos nesta seção – e nela deitemos nosso olhar e atenção.

Igreja dos Mártires – Lisboa, Portugal

Quanta paz emana desta fisionomia de Nosso Senhor, ainda que em meio a tanta dor!

Uma paz verdadeiramente carregada de serenidade, de quem levou até suas últimas consequências a missão que o Pai lhe conferiu: Ele morreu e sofreu por mim, por você caro leitor, por qualquer um… E este foi o preço que o Redentor pagou para nossa salvação: a morte, e morte de Cruz!

Esta Cruz atrai. Atrai-nos para um estado de espírito cheio de serenidade, nos remete para outras perspectivas, para outros horizontes, para além deste vale de lágrimas: o Céu. No entanto, misteriosamente, a Cruz de Nosso Senhor ao mesmo tempo que convida para nos colocarmos na perspectiva sobrenatural e da eternidade, nos fortalece e nos comunica, uma tranquilidade, uma confiança, capaz de suportar a dor e a aridez desta terra de exílio.

Com efeito, a Bíblia Sagrada nos traz de forma eloquente estas palavras que bem podem ser aplicadas a Nosso Senhor com sua Cruz: “Ó vós todos que passais pelo caminho: olhai e julgai se existe dor igual à dor que me atormenta” (Lm 1, 12).

No entanto, ao contemplarmos este Crucifixo de Nosso Senhor, bem podemos ouvir no interior de nossos corações: Parai e vede… se há paz maior do que aquela que encontramos na Cruz de Nosso Senhor!

Assim sendo, como bem exorta nosso Fundador, Mons. João Clá Dias, EP, “[…] fugimos da cruz por desconhecermos a imensa felicidade oferecida por ela quando é abraçada com alegria. À medida que adequamos todo o nosso modo de ser, perspectivas, visualizações, desejos, pensamento, dinamismo, atividade e tempo em função de Nosso Senhor, somos invadidos por uma paz interior que a nada pode ser comparada. Descem as bênçãos do Alto e operam-se as maravilhas da graça”. (1)

Nossa Senhora das Dores – Colômbia

Que esta paz de Nosso Senhor pregado na Cruz, pelos rogos de Nossa Senhora das Dores, neste mês de setembro em que se comemora a Exaltação da Santa Cruz, nos faça amá-la, honrá-la e exaltá-la como o verdadeiro símbolo de glória, conforme nos anima a famosa Carta Circular aos Amigos da Cruz, de São Luis Maria G. de Montfort. Aconselha este santo, ao que se propõe a esta especial amizade: “Leve-a [a Cruz] aos ombros a exemplo de Jesus Cristo, a fim de que essa cruz se torne para ele a arma de suas conquistas […] Enfim, coloque-a, pelo amor em seu coração, para torná-la numa sarça ardente que, sem consumir-se queime, noite e dia, de puro amor de Deus!”. (2)

E assim, digamos com São Paulo: “Que eu me abstenha de gloriar-se de outra coisa que não a Cruz de meu Senhor Jesus Cristo” (Gl 6,14).

Nossa Senhora das Dores, rogai por nós e uni-nos à Cruz de Vosso amado Filho!

Por Adilson Costa da Costa

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(1) Mons. João S. Clá Dias, EP. A Cruz, quando inteiramente abraçada, nos configura com Cristo. In: _____. O inédito sobre os Evangelhos. v. VI, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p. 175.

(2) Carta Circular aos Amigos da Cruz, n. 19.

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Como um astro luminoso

Quando temos a ventura de admirar um céu bem estrelado, é ou não verdade que participamos da seguinte expectativa: “será que verei uma estrela cadente?” E não é para menos, pois tal fenômeno raramente acontece.

São Gregório Magno – Catedral de Colônia, Alemanha

Imaginemos, então, que isso se desse, caso possível fosse ao contrário; ou seja, não presenciássemos o desaparecimento de uma estrela, mas o surgimento da mesma. Já pensaram que magnífico seria, a compassados instantes que olhássemos para a abóbada celeste, deslumbrarmos um novo astro?

Pois bem, analogamente, a cada momento que tomamos conhecimento de algum episódio relacionado a um santo, nada mais é do que um novo brilho que cintila no firmamento de nossos corações, convidando-nos à pratica do bem.

Tal foi a vida de São Gregório Magno (540), toda palmilhada de constelações de virtudes, cujas algumas magnificências serão aqui relatas no presente artigo.

Viveu ele no século VI, época pervadida de terríveis conturbações, merecedora por suas próprias palavras desta afirmação: “Sou obrigado a… gemer sob as espadas dos bárbaros invasores e temer os lobos que rondam o rebanho sob minha guarda”. (1)

Eleito Sumo Pontífice no ano de 590, sendo antes Prefeito de Roma, empregou seus contínuos esforços em busca da propagação da Fé Católica, tendo por principal ação evangelizadora o desenvolvimento do monacato, confiado aos beneditinos com vistas à formação de monges capazes de cristianizar, futuramente, vastidões inimagináveis.

Sobre o fruto dessa ação, comenta-nos Montalembert que: “Eles os farão instrumentos do bem e da verdade. Ajudados por esses vencedores de Roma, levarão o império e as leis de uma ‘Nova Roma’ muito além das fronteiras que o Senado fixou ou que os Césares imaginaram”. (2)

Como dado histórico que também nos confirma seu ímpeto no referido engenho, fundou ele mesmo sete mosteiros com a herança que lhe coubera após a morte de seu pai, um poderoso senador.

Outro fato que marcara a existência deste varão, deu-se ainda antes mesmo de ocupar a cátedra de Pedro. Grassava em Roma, por consequência dos estragos causados por uma grande enchente do rio Tibre, uma terrível peste. Morreram inúmeras pessoas na cidade eterna, destacando-se entre elas até mesmo o Romano Pontífice Pelágio II, seu predecessor.

Castelo de Sant’Ângelo – Roma

Ordenara então uma grande procissão pelas ruas da cidade, e qual não foi a surpresa dos fiéis quando avistaram, pairando ao alto do mausoléu de Adriano, São Miguel Arcanjo! O Príncipe das Milícias Celestiais guardava sua espada de fogo, indicando, assim, que terminara o flagelo ocasionado pela peste. A partir disso, a referida fortaleza passou a ser denominada por “Castelo de Sant`Ângelo”.

Por fim, ao menos nesse pequeno relato de sua vida, salta-nos aos olhos um outro marco de seu apostólico desejo de santificação e conversão das almas. Estava ele, certo dia, andando pelo mercado marítimo de Roma quando, em determinado momento, avistou ancorado um navio cheio de escravos provenientes das terras do norte, mais propriamente da Britânia.

São Gregório Magno – Basílica da Virgem dos Milagres de Agreda – Soria, Espanha

Perguntando, pois, de onde vinham, obteve como resposta que eram anglos. Como que, numa visão profética, o grande santo retrucou: Non angli, sed angeli sunt!” (não anglos, mas sim anjos!). Assim, após comprar a todos esses escravos, colocou-os sob os cuidados de Santo Agostinho, futuro arcebispo de Cantuária, Inglaterra, para que lhes fosse ensinada a doutrina da Igreja, batizados e ministrado o estilo de canto litúrgico que leva o seu nome (canto gregoriano), com vistas à evangelização de sua terra natal. De tal modo isso se deu que, segundo nos narram as crônicas, mais de 10 mil neófitos foram batizados no dia de Pentecostes de 597.

Enfim, que belo reflexo aqui se reporta para Aquele que, como Pontífice Divino, comprou com os méritos de sua Paixão “um navio abarrotado de escravos do pecado”. Sim, éramos como mercadoria variada não fosse a Redenção. Que a exemplo de São Gregório e de seus anglos, saibamos recorrer a Nossa Senhora, Rainha dos Apóstolos, para levarmos a cabo toda a nossa missão.

Por Douglas Wenner

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(1) Liturgia das Horas. Tempo Comum: 18ª – 34ª Semana. v. IV, Editora Vozes – Paulinas – Paulus – Editora Ave Maria, 1999, p. 1246.

(2) Montalembert. Les moines d`Ocident, 1878,  p. 74.

(3) Obras de São Gregório Magno, BAC: Marid.

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Frase da Semana – Santo Agostinho

“Criaste-nos para Vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousar em Vós”

Santo Agostinho, Confissões (1)

Santo Agostinho – Igreja de Santa Maria – Kitchener, Canadá

Na grandiosa Obra composta pelo grande Santo Agostinho, esta frase ocupa lugar de destaque. Está ela estampada logo no início do livro, denominado – com muita propriedade, Confissões.

O desejo de repousar em Deus faz parte da essência da natureza humana. Em vão busca o homem a felicidade longe de seu Criador. Toda nossa existência está impregnada desta verdade maior: fomos criados por Deus, para amá-Lo e servi-Lo nesta terra e depois usufruir eternamente de Sua Bem-Aventurança no Céu. Quem insiste em trilhar caminho diverso não encontra a felicidade nesta vida, nem na vida futura.

Santo Agostinho, cuja festa litúrgica a Igreja celebra neste 28 de Agosto é filho de muitas lágrimas de sua mãe, Santa Mônica, que, durante mais de trinta anos, rezou incansavelmente pela conversão do filho. A festa de Santa Mônica, padroeira das mães cristãs é comemorada um dia antes da de Santo Agostinho, em 27 de Agosto.

Em sua própria vida, experimentou Santo Agostinho a inquietude de que trata a Frase da Semana, pois, a partir do momento de sua conversão, até o final da vida não deixou um dia sequer de buscar a Deus de coração contrito e humilde. Repousou em Deus aos 76 anos, depois de servir a Igreja de Deus por mais de quarenta anos, na condição de padre e bispo. Iluminou com sua inteligência, dedicação e santidade a História da Igreja.

Que a frase desta semana nos sirva de reflexão para que, reconhecendo a finalidade de nossa existência, busquemos a Deus em nossas vidas até que finalmente, a exemplo dos santos, possamos repousar nEle por toda a eternidade. Que Nossa Senhora nos ajude hoje e sempre.

Leia mais sobre a vida de Santo Agostinho no site dos Arautos do Evangelho. (2)


(1) Santo Agostinho. Confissões. 9ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1988. Pág. 23.

(2) Arautos do Evangelho. Vida de Santo Agostinho. Disponível em: http://www.arautos.org/especial/17917/Santo-Agostinho

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Confiança e esforço: a via pela qual chegamos ao Céu

Imaculado Coração de Maria de Nossa Senhora de Fátima

Certas inquietações e questões não raramente se colocam às pessoas, quando se trata da existência para além desta vida terrena. É o que se dá com a pergunta feita por um homem a Jesus, quando passava pregando o Evangelho pelas aldeias e cidades, a caminho de Jerusalém. Conta-nos o evangelista Lucas que “alguém” perguntou: “Senhor, são poucos os que se salvam?” (Lc 13,23)

Para além dessa pergunta – se muitos ou poucos vão para o Céu após a morte -, existe outra consideração mais útil para nossa vida espiritual e nossa vida “aqui e agora”.

Com efeito, ainda que fossemos teólogos, dos mais capacitados e conhecedores das verdades da Fé e, em concreto, do que nos ensina o Catecismo da Igreja Católica a respeito da vida eterna, do Céu e da existência do Inferno (1), tal discussão sobre quantos se salvam não é vista com clareza nem mesmo pelos mais sábios estudiosos da Doutrina, como bem expressa o famoso teólogo dominicano Pe. Antonio Royo Marín:

“Eis aqui um dos problemas mais angustiantes e difíceis que podem oferecer ao teólogo. A pergunta é uma das que, com maior freqüência e apaixonado interesse, formula a maioria das pessoas.” (2)

Para quem deseja  saber a explicação mais lúcida a respeito, contemple os estudos de São Tomás de Aquino: “A respeito de qual seja o número dos homens predestinados, dizem uns que se salvarão tantos quantos forem os anjos que caíram; outros, que tantos quantos foram os anjos que perseveraram; outros, enfim, que se salvarão tantos homens quantos anjos caíram e, ademais, tantos quantos sejam os Anjos criados. Mas, melhor é dizer que só Deus conhece o número dos eleitos que hão de ser colocados na felicidade suprema”. (3)

Jesus Cristo diz: Esforçai-vos: guardai os Mandamentos

No que consiste este esforço? A leitura do trecho do Evangelho de São Mateus nos traz uma luz e uma resposta: “Se queres entrar para a Vida [Céu], guarda os Mandamentos” (Mt 19, 16-19). Eis aqui a primeira “medida” que devemos colocar nossa atenção e nosso esforço, indicada por Jesus ao “jovem rico do Evangelho”, como resposta ao que se deve fazer de bom para ter a vida eterna.

Mas, poderíamos questionar: é fácil ou difícil guardar os Mandamentos? Se fosse fácil guardar os Mandamentos, Jesus não empregaria o verbo “esforçar-se”. Sim, tal é nossa debilidade decorrente dos efeitos do pecado original em nós – que nos inclina para o pecado – e tais são as tentações e provocações do mundo, que se poderia dizer: realmente, não é fácil praticar os Mandamentos; mais, diríamos ainda: ao homem, pelas próprias forças, é impossível praticar integralmente e duradouramente os Mandamentos. Vê-se, portanto, o quanto é apropriada e forte a expressão: esforçai-Vos… e o convite a não se viver o “laissez faire” (deixar correr a vida) na nossa existência terrena, na perspectiva espiritual.

No entanto, sabemos que Nosso Senhor, a divina Misericórdia e a divina Justiça, que em tudo se fez igual ao homem, exceto no pecado, não nos pedirá algo que não nos seja possível realizar: “Porque meu jugo é suave e o meu fardo é leve (Mt 11,30), “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” (Mt 11, 28)

Confiança, eu venci o mundo

Sim, aqui está o remédio: a confiança no Sagrado Coração de Jesus. Ele nos redimi e nos sustenta, nos santifica, nos dá a graça e os Sacramentos e ainda Ele próprio se dá a nós no Santíssimo Sacramento da Eucaristia. É com Ele que nós venceremos o mundo, o demônio e a carne.

Confiança em Maria, a Porta do Céu

E como se não bastasse tudo isto, para “nos convencer” – por força de expressão – Ele nos dá sua própria Mãe, Nossa Senhora. Sobre esta intercessão, consideremos as comoventes e animadoras palavras de Mons. João Clá Dias, em sua recente obra, intitulada “O Inédito sobre os Evangelhos”, ao comentar o Evangelho deste XXI Domingo do Tempo Comum:

“[…] É necessário servir a Deus com ardor e entusiasmo, entrando “pela porta estreita” que bem poderá ser Nossa Senhora. Não é sem razão que a Ela foi dada o título de Porta do Céu. Estreita porque exige de nós uma confiança robusta em sua proteção maternal. Invoquemo-la em todas as tentações e dificuldades, a fim de comprovarmos a irrefutável realidade de quanto “jamais se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido à sua proteção maternal, implorado sua assistência, reclamado o seu socorro fosse por Ela desamparado”. E, ao chegarmos ao Céu, rendamos eternas graças aos méritos infinitos de Jesus e às poderosas súplicas de Maria.” (4)

Eis afinal o mais importante: para além da preocupação ou até mera especulação de se saber se muitos ou poucos se salvam, sigamos a recomendação do divino Mestre e Senhor. Esforcemo-nos para, aqui e agora enquanto estamos vivos, com fidelidade, fortaleza e confiança praticarmos os Mandamentos, pela intercessão de Maria Santíssima e, aí sim, pela misericórdia de Jesus e Maria, passarmos pela porta estreita rumo à eterna felicidade.

Por Adilson Costa da Costa

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(1) Catecismo da Igreja Católica. Creio na vida eterna: n. 1035-1036. 11ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001, p, 180.

(2) Pe. Antonio Royo Marin. Teologia de la Salvación. Madri: BAC, 1997, p. 117.

(3) Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica: questão XXIII, art. VII, v.  I. 2ª ed. Porto Alegre: Vozes, 1980, p. 240-243.

(4) Mons. João S. Clá Dias, EP. Quem é o meu próximo? In: _____. O inédito sobre os Evangelhos. v. VI, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p. 310-312.

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Águias ou sapos? Carvalhos ou grama?

Rezamos todos os dias o “Credo” e muitas vezes – por circunstâncias diversas, ou mesmo por uma ação especial da graça – chama-nos particularmente a atenção um ou outro dos 12 artigos do Símbolo dos Apóstolos. Um deles é o 5º artigo: “Desceu à mansão dos mortos” (na redação do Segundo Catecismo da Doutrina Católica) (1), ou “Jesus Cristo desceu aos infernos”, na apresentada pelo Catecismo da Igreja Católica (2).

Ora, o que é propriamente esta “mansão dos mortos”, ou estes “infernos” a que desceu Jesus? O Catecismo nos ensina:

Abraão e Isaac, justos do Antigo Testamento. Jesuítas de Santander, Espanha

“A Escritura denomina a Morada dos Mortos, para a qual Cristo morto desceu, de os Infernos, o sheol ou o Hades, visto que os que lá se encontram estão privados da visão de Deus [grifo nosso]. Este é, com efeito, o estado de todos os mortos, maus ou justos, à espera do Redentor – o que não significa que a sorte deles seja idêntica, como mostra Jesus na parábola do pobre Lázaro recebido no ‘seio de Abraão’. ‘São precisamente essas almas santas, que esperavam seu Libertador no seio de Abraão, que Jesus libertou ao descer os Infernos’. Jesus não desceu aos Infernos para ali libertar os condenados nem para destruir o Inferno da condenação, mas para libertar os justos que o haviam precedido”. (3)

Em outras palavras, a mansão dos mortos ou infernos, em que Jesus desceu é o limbo; conforme nos explica Francisco Spirago, é o “lugar diverso do purgatório; em ambos, é verdade, não se vê a Deus, mas no purgatório as almas sofrem penas que não existiam no limbo; este também não se deve confundir com o inferno: local também privado da vista de Deus, mas sofrem-se também os tormentos. As almas não padeciam no limbo pena alguma (Catecismo Romano) e não estavam sem uma certa felicidade [grifos nossos], como se vê na parábola em que o pobre Lázaro é consolado (Lc 16, 25), porque no juízo particular haviam recebido a certeza da sua felicidade eterna. Não podiam, contudo, entrar nas alegrias eternas no céu, porque o céu ainda não estava aberto (Hb 9, 8). Suspiravam portanto continuamente pelo Salvador”. (4) Diferencia-se o limbo, portanto, do purgatório – lugar para o qual, salvando-se, “a alma vai, logo depois do juízo particular” para se purificar, satisfazendo com penas temporais o que ficou devendo por seus pecados (5) – assim como do inferno – lugar para onde vai a alma, logo depois do juízo particular, que não está na amizade com Deus (6). Ou seja, ao contrário destes lugares, não há no limbo, as penas temporárias como no purgatório e muito menos o sofrimento eterno.

Nesta mansão dos mortos, Cristo desceu para lhes anunciar que tinha consumado a redenção, “a alma de Cristo estava unida à sua divindade. O Senhor demorou-se no limbo até ao terceiro dia. Desceu lá só, mas subiu rodeado de uma multidão inumerável (S. Inácio de Antioquia)” (7). Quem estava entre esta “multidão”, gozando da felicidade natural e almejando a eterna, com a vinda do Messias? Os justos do Antigo Testamento. Para citar alguns: Adão e Eva, Abel, Noé, Abraão, Isaac, Jacob, José, Davi, Isaias, Daniel, entre outros.

Dois elementos podemos destacar como características deste lugar. No limbo tinha-se a felicidade natural (e não sobrenatural do Céu), porém, com a privação de Deus, cuja visão beatífica só se tem no Paraíso Celeste. Evidentemente, esta felicidade não é plena, pois não se tem a posse de Deus para a qual fomos criados e chamados.

Jesus com os discípulos – Igreja de São Severino.

Esta consideração nos vem a propósito da narração de São Lucas no XVIII Domingo do Tempo Comum, na qual conta a história de um homem que pede a intervenção do Mestre em questões de herança, pretendendo ser favorecido junto ao seu irmão mais velho na partilha dos bens terrenos. Esta solicitação não a atende o Salvador, e chama-lhe a atenção para que tenha cuidado com todo o tipo de ganância, pois “a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12, 15).

O leitor talvez poderia perguntar: Mas, afinal, qual a relação existente entre o limbo e a ganância? Onde vamos chegar? As introduções longas, por vezes facilitam as conclusões breves.

Consideremos o que é a ganância: defeito moral que tem como fonte um dos vícios capitais, ou seja, a avareza, que por sua vez consiste no desejo desordenado dos bens terrenos.

Qual foi o problema do ganancioso descrito pelo evangelista: o irmão mais novo estava preocupado com sua estabilidade ou bem pessoal, de forma desordenada e egoística, portanto, sem amor de Deus. Ou seja, voltado para esta vida terrena, pensando consigo – segundo a expressão da parábola do Divino Pedagogo: “descansa, come, bebe, aproveita” (Lc 12, 19).

Ora, o grande mal reside em fazer consistir a vida na busca de uma felicidade natural, cheia de fruições (ainda que lícitas), mas esquecida de Deus: eis o grande mal. Seria como que uma “vida limbática”, porém não desejosa do Céu. E isto, sem dúvida, configura-se no grande mal para o qual se encaminham todos aqueles que querem transformar esta existência terrena num vale de rosas, cheia de felicidades (honestas ou não), porém sem Deus e sem o desejo da vida eterna.

Esta visão de vida – explicitada ou não pelas consciências – é bem caracterizada por Mons. João Clá, ao comentar este Evangelho: “[…] a posição dos adoradores de uma existência feliz em um limbo sem fim, numa contínua fruição de prazeres aqui neste mundo, esquecendo-se da verdadeira eternidade e do sobrenatural”. (8)

Voo da Águia

Eis o grande problema desta concepção de vida, no cerne do pedido feito a Jesus na narração de São Lucas.

Sapo – Butterfly Conservatory – Niagara, Canadá

E qual a diferença entre os que estavam no limbo face àqueles que estão na terra e almejam tal felicidade “limbática”? Os primeiros não se contentavam em terem certa felicidade natural, almejando a felicidade incomparável das alegrias eternas e da visão de Deus face à face; enquanto os outros – na expressão de São Luis Maria Grignion de Montfort – “são mais apegados à terra que os sapos” (9) e satisfazem-se com o mero gozo da vida, sem Deus. Eis aqui a “visão águia” que se difere da “visão dos sapos” em relação à vida. Ou se quisermos: a visão rasteira da grama e a visão altiva e voltada para o céu, do carvalho.

Peçamos para que Nossa Senhora nos livre da mediocridade e da ganância; abrindo nossos corações para o que canta – no 18º Domingo do Tempo Comum – a Liturgia das Horas nas antífonas apresentadas nas Laudes e Vésperas:

“Ajuntai vosso tesouro no céu, diz o Senhor, onde a traça e a ferrugem não estragam nem corroem” (Laudes).

“Irmãos, se quereis realmente ser ricos, amai as riquezas que são verdadeiras” (Vésperas). (10)

 Por Adilson Costa da Costa

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(1) Segundo Catecismo da Doutrina Cristã, 117ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 13.

(2) Catecismo da Igreja Católica. Jesus Cristo desceu aos infernos, ressuscitou dos mortos no terceiro dia: n. 631. 11ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001, p, 180.

(3) Catecismo da Igreja Católica. Jesus Cristo desceu aos infernos, ressuscitou dos mortos no terceiro dia: n. 633. 11ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001, p, 181.

(4) Francisco Spirago. Catecismo Católico Popular: Primeira Parte. Trad. Arthur Bivar. 2ª ed. Portugal: Tipografia da Empresa Veritas, s/d, p. 152.

(5) Segundo Catecismo da Doutrina Cristã, 117ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007, Questões 112 e 113, p. 28.

(6) Segundo Catecismo da Doutrina Cristã, 117ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007,  Questão 111, p. 28.

(7) Francisco Spirago. Catecismo Católico Popular: Primeira Parte. Trad. Arthur Bivar. 2ª ed. Portugal: Tipografia da Empresa Veritas, s/d, p. 152.

(8) Mons. João S, Clá Dias, EP. O inédito sobre os Evangelhos. v. VI, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012,  p. 256.

(9) São Luís Maria G. de Montfort. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. 42ª ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 84.

(10) Liturgia das Horas. Tempo Comum: 18ª – 34ª Semana. v. IV, Editora Vozes – Paulinas – Paulus – Editora Ave Maria, 1999, p. 45.

Para saber mais sobre o “limbo” acesse a exposição do Pe. Alex Brito, EP no link: http://www.arautos.org/tv/movie/show/*0e0WW020D5dN0py.

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