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“Fica conosco”

“Fica conosco”

(Lc 24,29)

Tristonhos, resignados e sem esperança. Talvez fosse esse o estado de espírito dos dois discípulos no caminho para Emaús. Afinal, Jesus estava morto e sepultado. A sua fé ainda não era suficiente para que se animassem a acreditar no testemunho das mulheres, de João e Pedro, que “afirmaram que Jesus está vivo” (Lc 24,23). Assim, preparavam-se esses dois discípulos para voltar à sua vida cotidiana, deixando para trás tudo o que haviam ouvido e visto durante o período em que acompanharam a pregação de Jesus. Retornar à vidinha sem graça, de todos os dias.

No entanto, Jesus, ressuscitado dentre os mortos, tinha outros planos para eles: queria o seu testemunho, diante dos Apóstolos e diante dos cristãos, por toda a eternidade.  No momento em que partem o pão, o Mestre a eles se revela e lhes abre os olhos. Faz com que o seu coração arda e se abrase de amor. A tal ponto que pedem docemente: “Fica conosco!”.

O mesmo pode nos acontecer: Depois de termos vivido a Quaresma e as ricas cerimônias que a Liturgia nos propõe no Tríduo da Páscoa, podemos ser tentados a mergulhar, aos poucos, na vida cotidiana, nos esquecendo de tudo o que vivemos nestes dias, negligenciando em nossos corações a glória que deve representar a Ressurreição de Cristo.  Ele é a Luz que venceu as trevas, triunfou sobre o pecado. Sua vitória acarretou a fundação de uma nova ordem baseada na Fé, e será a causa do advento do Reino de Cristo sobre a Terra. Essa Luz continuará fulgurante por todos os séculos”.(1)

Que a certeza da Ressurreição de Cristo jamais de afaste de nossa vida e, como diz Monsenhor João Clá Dias, “ao contemplarmos com júbilo o triunfo de Jesus Cristo ressuscitado, juntemo-nos à Nossa Senhora, aos Apóstolos, aos Anjos e Santos, com toda a Igreja transbordando de alegria Pascal” (2), implorando a Cristo Ressuscitado: “Fica conosco, Senhor!”.

Salve Maria!

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(1) Arautos do Evangelho. A luz venceu as trevas. Disponível em: http://www.arautos.org/especial/58009/A-Luz-venceu-as-trevas-.html

(2) Idem.

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O Samaritano por excelência: Jesus Cristo

Quando consideramos o próximo vem-nos a mente, já de início – e não sem razão, sobremaneira, por efeito do Batismo que recebemos – aquele que é carente de algum auxílio e em relação ao qual temos alguma proximidade, seja de ordem familiar ou física. E incluímos, nesta “categoria”, o pobre e o doente sem recursos financeiros. Estendendo nossa consideração, será também nosso próximo o necessitado para além do aspecto material, aquele que leva consigo algum sofrimento moral, muitas vezes mais doloroso do que o próprio sofrimento corporal.

E qual deve ser nossa atitude para aqueles que, precisando de auxílio material ou espiritual, passam por nossas vidas? A prática da caridade: “Pois toda a Lei encontra a sua plenitude num só mandamento: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’” (Gl 5, 14). Em outros termos, devemos fazer ao próximo tudo aquilo que esteja ao nosso alcance, da mesma forma que gostaríamos que fizessem conosco, postos nós em tal contingência.

Esta caridade manifesta-se na prática das obras de misericórdia, “ações caritativas pelas quais socorremos o próximo em suas necessidades corporais e espirituais”, conforme nos ensina o Catecismo da Igreja Católica (CIC 2447). E continua o Catecismo: “Instruir, aconselhar, consolar são obras de misericórdia espiritual, como também perdoar e suportar com paciência. As obras de misericórdia corporal consistem sobretudo em dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, dar moradia aos desabrigados, vestir os maltrapilhos, visitar os doentes e prisioneiros, sepultar os mortos”. (1)

Sagrado Coração de Jesus – St Mary’s Church – Kitchener, Canadá

Neste sentido, contemplemos o Evangelho do XV Domingo do Tempo Comum, no qual Jesus ensina, através de parábola ao doutor da Lei, no que consiste o amor ao próximo e, portanto, o verdadeiro sentido da Lei.  Conforme comenta Mons. João Clá Dias, EP, “Quantas escolas e cursos de didática se multiplicam por todo o orbe! Entretanto, é impossível superar aquela empregada pelo Divino Mestre em sua vida pública. A criação da figura do Bom Samaritano é simplesmente genial”. (2)

Sim, bem ao contrário do sacerdote e do levita da parábola, face ao pobre homem assaltado por um grupo de bandidos que o maltratam, deixando-o quase morto e o despojam de seus bens. Tanto o sacerdote quanto o levita, passam pelo desventurado agredido e, sem compaixão, não o socorrem ou tomam qualquer providência com vistas a fazer algum bem aquele sofredor.

No entanto, qual a atitude do samaritano? Assim observa Mons. João Clá Dias: “Bem diferente foi a reação do samaritano. Sem levar em conta o ódio racial que violentamente os separava, apesar de se tratar de um inimigo seu, sua religiosa incompatibilidade se transformou, no mesmo instante, em comiseração. O Evangelho recolhe os maravilhosos detalhes da divina parábola elaborada por Jesus para o doutor da Lei: “o samaritano se manifesta um herói da caridade desde o descer de sua montaria, aplicando in loco  todos os cuidados cabíveis naqueles tempos, conduzindo a vítima a uma pousada, até o contraiu uma dívida com o estalajadeiro, a fim de que este dispensasse todos os cuidados ao pobre judeu”. (3)

Eis a caridade, a misericórdia e a bondade belamente retratada por Jesus em relação ao próximo.

Aqui temos a manifestação do amor ao próximo. Para o Samaritano, o próximo foi aquele homem agredido, abandonado e estirado no chão, quase a morrer. Mas, poderíamos perguntar: existirá somente o próximo necessitado? Existirá, por ventura, algum outro próximo? Um próximo esquecido? Para o Samaritano, claro está que o próximo foi o homem de quem ele teve compaixão. Mas, qual será o próximo, na parábola, do homem socorrido? A resposta não poderá ser outra, senão esta: o próximo do homem socorrido foi seu benfeitor, o Samaritano.

Aí esta, em contrapartida e harmonicamente entrelaçado, o sentido do próximo genuinamente manifesto. Se há um próximo necessitado, há também um próximo benfeitor. Para o próximo necessitado devemos ter compaixão, eis como a caridade se manifesta. E para o próximo benfeitor, como deve se manifestar a caridade?

Poderemos responder, imaginando, na parábola, qual a caridade que o homem socorrido deveria ter para com o Samaritano. A resposta salta aos olhos, numa palavra: gratidão! Não poderá ser outra a não ser esta a atitude de amor ao meu próximo benfeitor: gratidão, reconhecimento e admiração para aquele que faz o bem, que me faz o bem.

Mãe do Bom Conselho – Genazzano, Itália

Peçamos a Nossa Senhora da Gratidão não nos esquecermos daqueles nossos próximos que nos fazem o bem: o pai, a mãe, um professor, um amigo, um superior, quiçá um que, embora não o conheçamos particularmente, está perto de nós e que somos objeto de sua caridade… Que sejamos agradecidos, reconhecidos, por todo o bem que deles recebemos, sejam os benefícios materiais, é claro, mas, sobretudo, os espirituais como o bom exemplo, o bom conselho, o ânimo para vencermos nossas dificuldades e adversidades…

Sobretudo, nos lembremos daquele que é o nosso maior e incomparável próximo e benfeitor, o Samaritano por excelência: Jesus Cristo. E qual será nossa gratidão para com Ele: a prática heroica do Mandamento do Amor.

Por Adilson Costa da Costa

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(1) Catecismo da Igreja Católica: n. 2447. 11ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001, p. 632.

(2) Mons. João S, Clá Dias, EP. Quem é o meu próximo? In: _____. O inédito sobre os Evangelhos. v. VI, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p. 219.

(3) Idem, p. 222-223.

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Os mártires e os lobos

A natureza, realmente, é um livro extraordinário repleto de ensinamentos e mistérios, próprios à reflexão de verdades e princípios indicadores de nosso relacionamento com Deus e o próximo. E isto de tal forma, que o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, Criador desta natureza e Divino Pedagogo, dela fez uso para anunciar a Boa Nova, nas mais variadas situações de sua pregação.

Esta consideração nos vem à mente, ao adentrarmos neste mês de julho no qual celebramos a Jornada Mundial da Juventude no Brasil, em que temos a intenção de que ela “anime a todos os jovens cristãos a se tornarem discípulos e missionários do Evangelho” (1).

Eis que vos envio

Com efeito, contemplemos a narração do evangelista São Lucas, no capítulo 10, e deitemos a atenção para um aspecto de esplêndida riqueza, fundamental e indispensável, para todos aqueles que querem ser discípulos e missionários, ou por outra, porque discípulos (cristãos), são missionários do Evangelho. Disse Jesus, ao escolher 72 discípulos para anunciarem o Reino de Deus: “Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos” (Lc 10, 3).

Em um primeiro momento, poderia causar-nos certa estranheza a comparação que o Divino Mestre utiliza para explicar aos discípulos como e a quem os enviaria. Imagine o leitor: o que pode um inocente cordeiro contra um lobo voraz? Qual é a natural e extintiva “conduta” do lobo face ao cordeiro? Antes mesmo das mais elementares lições de biologia ou zoologia da educação formal, salta-nos aos olhos o que até uma criança já adquiri como conhecimento a respeito do destino de um cordeiro nas garras e dentes de um lobo… E como fica a aplicação de tal metáfora? Ensina Ele que o cordeiro deve se achegar do lobo, para ser por este devorado? Sejamos mais ousados em nosso questionamento: Jesus se enganou?

Categoricamente: não! Mas então, como explicar tal metáfora?

Sim, o discípulo e missionário deve ser como um cordeiro. E quais são as qualidades simbolizadas e evocadas pelo cordeiro: mansidão, inocência, humildade. Assim deve ser o apóstolo de Jesus, fiel e pacífico, cheio de bondade e amante da pureza dos costumes.

E quanto ao lobo, símbolo de quais atributos é este animal selvagem? Maldade, astúcia e obstinação. Eis as características infelizmente presentes neste nosso início de Século, onde a impiedade, a falta de fé, hostilidade e perseguição contra a verdade e o bem vão ganhando espaços crescentes.

Qual deve então ser a atitude do discípulo-missionário em sua missão evangelizadora, na qual encontrará situações difíceis articuladas pela malícia do mundo? Será ele uma fatal vítima, à maneira do cordeiro em meio a uma alcateia de lobos?

Discípulos fiéis, distribuidores da graça

O grande bispo e doutor da Igreja, Santo Ambrósio (+397), nos traz uma luz a respeito da missão dos discípulos junto ao mundo: “enviados não como presas, mas como distribuidores da graça”. (2)

Santo Ambrósio em seu estudo – Tama, Palancia, séc. XVI – Metropo

Ora, para serem distribuidores da graça, necessário é serem portadores da graça, pois ninguém dá o que não tem. E para serem portadores da graça, necessário se faz serem seguidores fiéis, fortes e confiantes de Jesus Cristo, sob pena de, ao contrário, serem escravos do mundo, do demônio e da carne.

Eis aqui o sentido genuíno de ser cordeiro em meio aos lobos: conservar e crescer na união com Jesus, amá-lo verdadeira e radicalmente, agindo coerentemente com nossa fé nele e na prática dos Mandamentos. É sendo discípulo autêntico e despretensioso, mais do que dizendo ou operando, que atrairemos para Nosso Senhor aqueles a quem nos propomos fazer apostolado. Este exemplo de vida dos discípulos e missionários é belamente apontado pelo grande Doutor Teólogo da Igreja, São Gregório Nazianzeno : “[…] eles devem ser tão virtuosos que o Evangelho se propague mais pelo modelo de sua vida do que por sua palavra”. (3)

E quais os frutos da missão?

E quais serão os frutos desta evangelização permeada de autenticidade e virtude?

Muitas almas serão atraídas e, não raramente, algo esplêndido se sucede, como observa Mons. João Clá Dias, EP: “A força da graça conferida pelo Salvador à sua grei é tal que muitos ‘lobos’ acabam sendo convertidos em ‘cordeiros’… Exemplo supremo é o de Saulo, fariseu que ‘só respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor’ (At 9,1), o qual veio a tornar-se o Apóstolo por excelência”. (4)

É verdade, no entanto, que não é unanime a aceitação daqueles a quem se quis fazer o

N. Sra. do Carmo – Colômbia

bem. Mas tal rejeição não deve intimidar o discípulo e missionário do Senhor, pois, conforme está escrito no Evangelho de São João, “O servo não é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram, também vos hão de perseguir” (Jo 15, 20).

Tal hostilidade sempre esteve presente ao longo da história da Igreja – e fatos concretos hoje em dia são narrados – pois muitos foram os “lobos” que trucidaram os “cordeiros”. Mas isto pouco importa, ou por outra, importa muito, pois, como diz Mons. João Clá Dias,

“Se a hostilidade chega ao extremo do martírio, a violência se transforma em glória para os cristãos, permitindo-lhes receber o prêmio da fé, na vida eterna”. (5)

A história dos mártires e dos lobos

Eis ai, no decurso da evangelização, a história dos Mártires e dos lobos. Peçamos à Santíssima Virgem, sob invocação de Nossa Senhora do Carmo (6), celebrada neste mês (dia 16), o que cantamos no Hino em seu louvor “Rosa do Carmelo”: “Forte armadura dos guerreiros! Aos que partem para a luta protegei com o escapulário”. (6)

Por Adilson Costa da Costa

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(1) Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Diretório da Liturgia e da organização na Igreja no Brasil – 2013 – Ano C – São Lucas. Brasília: Edições CNBB, 2012, p.125.

(2) Santo Ambrósio. Tratado sobre El Evangelio de San Lucas. L. VII, n. 46. In:  Obras. v. I, Madrid: BAC, 1966, p. 367.

(3) São Gregório Nanzianzeno, apud São Tomás de Aquino. Catena Aurea, In Lucam, c. X. v. 3-4.

(4) Mons. João S, Clá Dias, EP. O inédito sobre os Evangelhos. v. V, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p. 199-200.

(5) Idem, p. 199.

(6) Para saber mais o leitor pode acessar a matéria: http://www.arautos.org/artigo/13178/O-escapulario-de-Nossa-Senhora-do-Carmo-.html

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Frase da Semana

Houve um homem enviado por Deus, que se chamava João. Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele.

Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz.

(João 1,6)

São João Batista – Pórtico da Catedral de Notre Dame
Paris, França

A Frase da Semana homenageia o grande São João Batista, o Precursor do Messias, a “voz que clama no deserto” (Jo 1,23), digno de receber um inigualável elogio de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Pois vos digo: entre os nascidos de mulher não há maior que João” (Lc 7,28).

         A Igreja, para exaltar a grandeza de João Batista, comemora-o em duas datas: no seu  nascimento para a vida terrena (24 de Junho) e no seu nascimento para a vida eterna (29 de Agosto). Um grande Profeta, que representa a transição do Antigo para o Novo Testamento; veio anunciar o Messias. Por sua austeridade de vida e de pregação, foi confundido com o próprio Cristo; quando, porém, indagado, declarou, sem hesitar: “Eu não sou o Cristo” (Jo 1,20). E para deixar claro, indubitável o seu entusiasmo por Aquele que o havia santificado ainda no seio de sua mãe, Santa Isabel, declarou: “Esse [Cristo] é quem vem depois de mim; e eu não sou digno de lhe desatar a correia do calçado” (Jo 1,27).

         “Por causa de suas pregações, São João foi logo tido como profeta. Aquela categoria de homens especialmente escolhidos pela Providência que, falando por inspiração divina, prenunciam os acontecimentos, ouvem e interpretam os passos do Criador na história, orientando o caminhar do povo de Deus.

         Os outros profetas foram um prenúncio do Batista. Só ele pôde apresentar o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo em pessoa como sendo o messias prometido, o salvador e redentor da humanidade.” (1)

      Enfim, um santo muito venerado no Brasil, mas, cuja invocação nos traz também um caminho de penitência e de conversão.

           São João Batista, rogai por nós!


(1) Arautos do Evangelho. Natividade de São João Batista. Disponível em: http://www.arautos.org/especial/17046/natividade-de-sao-joao-batista.html

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“Estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos” (Apocalipse 1,18)

Muito a propósito e de acordo com as meditações e celebrações do Tríduo Pascal, nos chega – enviada por um amigo, a Homilia do Padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, por ocasião da celebração da Paixão do Senhor em 6/4/2012[1]. As palavras são mais atuais do que nunca, uma vez que se trata dos ensinamentos do Magistério do Corpo Místico de Cristo, cuja Cabeça é Cristo, e nos ensina palavras de vida eterna.

 Contemplemos a Paixão de Cristo, nutrindo-nos das maravilhas que Nosso Senhor nos concede pelo seu Sangue infinitamente precioso derramado na Cruz e peçamos à Mãe Dolorosa que interceda sempre por nós, obtenha-nos um coração contrito e humilhado, já nesta terra um prenúncio do céu – que é a paz de consciência e, por fim, passados os dias neste vale de lágrimas, o Paraíso Celeste, a visão de Deus face à face.

Alguns Padres da Igreja colocaram numa imagem todo o mistério da redenção. Imagina, dizem, que aconteceu, no estádio, uma luta épica. Um herói enfrentou o cruel tirano que escravizava a cidade e, com enorme esforço e sofrimento, o venceu. Você estava na arquibancada, não lutou, não se esforçou e nem teve feridas. Mas, se você admira o herói, se se alegra com ele pela vitória, se tece-lhe uma coroa, se anima e exalta a platéia por ele, se se ajoelha com alegria diante do vencedor, beija a sua cabeça e aperta a sua mão direita; em suma, se tanto se exalta por ele, a tal ponto de considerar como sua a vitória dele, eu lhe digo que você terá com certeza parte no prêmio do vencedor.

E tem mais: suponha que o vencedor não tenha nenhuma necessidade do prêmio que conquistou para si, mas que deseje, mais do que qualquer outra coisa, ver o seu admirador honrado e considere que o prêmio da sua luta seja a coroação do seu amigo, em tal caso aquele homem não terá talvez a coroa, mesmo sem ter lutado e sem ter feridas? Claro que vai! (Nicola Cabasilas, Vita in Christo, I, 9 (PG 150, 517).

Dessa forma, dizem esses Padres, acontece com Cristo e conosco. Ele, na cruz, derrotou seu antigo adversário. “As nossas espadas – exclama São João Crisóstomo – não estão sujas de sangue, não estivemos na arena, não temos lesões, nem sequer vimos a batalha, e eis que temos a vitória. Sua foi a luta, nossa a coroa. E porque também nós vencemos, imitemos o que os soldados fazem nesse caso: com vozes de alegria exaltemos a vitória, entoemos hinos de louvor ao Senhor” (S. João Crisóstomo, De coemeterio et de cruce; PG, 49, 596). Não poderia ser explicado melhor o significado da liturgia que estamos celebrando.

***

Mas o que estamos fazendo é, em si, uma imagem, a representação de uma realidade passada, ou é a própria realidade? Ambas as coisas! “Nós – dizia Santo Agostinho ao povo – sabemos e acreditamos com fé certíssima que Cristo morreu só uma vez por nós […]. Sabeis perfeitamente bem que tudo isto foi feito apenas uma vez e ainda assim a solenidade periodicamente o renova […]. Verdade histórica e solenidade litúrgica não estão em contradição entre si, como se a segunda fosse falácia e somente a primeira correspondesse à verdade. Do que a história afirma ter acontecido uma só vez na realidade, a solenidade renova muitas vezes a celebração nos corações dos fiéis” (S. Agostinho, Sermone 220; PL 38, 1089).

A liturgia “renova” o evento: quantas discussões, durante cinco séculos até hoje, sobre o sentido desta palavra, especialmente quando é aplicada ao sacrifício da cruz e à Missa! Paulo VI usou um verbo que poderia pavimentar o caminho para uma compreensão ecumênica sobre tal argumento: o verbo “representar”, compreendido no sentido forte de reapresentar, ou seja tornar novamente presente e operante o acontecido”( Cf Paolo VI, Mysterium fidei (AAS 57, 1965, p. 753 ss).

Há uma diferença substancial entre a representação da morte de Cristo e aquela, por exemplo, da morte de Júlio César na tragédia homônima de Shakespeare. Ninguém assiste, estando vivo, o aniversário da própria morte; Cristo sim, porque ressuscitou. Somente Ele pode dizer, como faz no Apocalipse: “Estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos” (Ap 1,18). Devemos ter cuidado neste dia, visitando os chamados “sepulcros” ou participando nas procissões do Cristo morto, de não merecermos a censura que o Ressuscitado dirigiu às piedosas mulheres na manhã de Páscoa: “Por que procurais Aquele que vive entre os mortos?” (Lc 24,5).

É uma afirmação ousada, mas verdadeira aquela de certos autores ortodoxos. “A anamnese, ou seja, o memorial litúrgico, faz o evento mais verdadeiro do que quando aconteceu historicamente pela primeira vez”. Em outras palavras, mais real e verdadeiro para nós que o revivemos “segundo o Espírito”, do que para aqueles que o viveram “segundo a carne”, antes que o Espírito Santo revelasse à Igreja o pleno significado.

Não estamos apenas comemorando um aniversário, mas um mistério. É ainda Santo Agostinho que explica a diferença entre as duas coisas. Na celebração “à maneira de aniversário”, não se pede outra coisa – diz – mais do que “indicar com uma solenidade religiosa o dia do ano no qual cai a lembrança do mesmo acontecimento”; na celebração a modo de mistério (“em sacramento”), “não somente se comemora um acontecimento, mas é feito também de tal forma que se entenda o seu significado e seja acolhido santamente” (Agostinho, Epistola 55, 1, 2; CSEL 34, 1, p. 170)

Isso muda tudo. Não se trata somente de assistir a uma representação, mas de “acolher” o significado, de passar de espectador à ator. Cabe a nós portanto escolher qual parte queremos representar no drama, quem queremos ser: se Pedro, se Judas, se Pilatos, se a multidão, se o Cireneu, se João, se Maria … Ninguém pode permanecer neutro; não tomar partido, é tomar um bem preciso: aquele de Pilatos que lava as mãos, ou da multidão que de longe “permanecia lá, a olhar ” (Lucas 23, 35).

Se voltando para casa, nesta tarde, alguém nos perguntar: “De onde vens? Onde estivestes?”, respondamos, portanto, pelo menos em nossos corações: “No Calvário!”

***

Mas nada disso acontece automaticamente, só porque participamos nesta liturgia. Trata-se, dizia Agostinho, de “acolher” o significado do mistério. Isto acontece com a fé. Não há música, onde não há um ouvido que a escute, por mais que a orquestra toque forte; não há graça, onde não há uma fé que a acolha.

Numa homilia de Páscoa do século IV, o bispo pronunciava estas palavras surpreendentemente modernas e, por assim dizer, existenciais: “Para cada homem, o princípio da vida é aquele, a partir do qual Cristo foi imolado por ele. Mas Cristo é imolado por ele quando ele reconhece a graça e se torna consciente da vida que lhe foi dada por aquela imolação”(Homilia pascal do ano 387; SCh 36, p. 59 s.)

Isso aconteceu sacramentalmente no Batismo, mas deve sempre acontecer conscientemente de novo na vida. Devemos, antes de morrer, ter a coragem de fazermos um golpe de audácia, quase como um golpe de mão: apropriar-nos da vitória de Cristo. A apropriação indevida! Uma coisa comum infelizmente na sociedade na qual vivemos, mas com Jesus essa não somente não está proibida, mas é sumamente recomendada. “Indevida” aqui significa que não nos é devido, que não nos é merecido, mas nos é dado gratuitamente, pela fé.

Mas andemos com passos firmes; escutemos um doutor da Igreja. “Eu – escreve São Bernardo – , o que não posso obter por mim mesmo, o aproprio (literalmente, o usurpo!) com confiança do lado aberto do Senhor, porque está cheio de misericórdia. Meu mérito, por isso, é a misericórdia de Deus. Não sou tão pobre de méritos, enquanto ele seja rico de misericórdia. Que se as misericórdias do Senhor são muitas (Sl 119, 156), eu porém terei muitos méritos. E o que acontece com a minha justiça? Ó Senhor, me lembrarei somente da tua justiça. De fato, ela é também a minha, porque tu es para mim justiça de Deus” (cf. 1 Cor 1, 30) (S. Bernardo de Claraval, Sermoni sul Cantico, 61, 4-5; PL 183, 1072).

Talvez esta forma de conceber a santidade tenha feito São Bernardo menos zeloso das boas obras, menos comprometido na aquisição das virtudes? Talvez negligenciasse mortificar o seu corpo e reduzí-lo a escravidão (cf. 1 Cor 9, 27), aquele que, antes de todos e mais do que todos, tinha feita desta apropriação da justiça de Cristo o objetivo da sua vida e da sua pregação (cf. Fl 3, 7-9)?

Em Roma, como infelizmente em todas as grandes cidades, há muitos moradores de rua. Existe um nome para eles em todas as línguas: homeless, clochards, sem-teto: seres humanos que não têm mais do que poucos trapos que carregam e algum objeto que trazem consigo em sacos plásticos. Imaginemos que um dia se espalha a notícia: Na rua Condotti (todos sabemos o que é a rua Condotti em Roma!) há uma boutique luxuosa que, por razões desconhecidas, de interesse ou de generosidade, convida todos os moradores de rua da Estação Termini a virem para o seu negócio; lhes convida a tirar os seus trapos imundos, a tomar um bom banho e depois a escolher o vestido que desejam entre aqueles exibidos e levá-los, assim, de graça.

Todos dizem entre si: “Isto é um conto de fadas, nunca acontece”. Verdadeiríssimo, mas o que nunca acontece entre os homens é o que pode acontecer a cada dia entre os homens e Deus, porque, diante Dele, aqueles moradores de rua somos nós! É o que acontece conosco depois de uma boa confissão: tire as suas roupas sujas, os pecados, receba o banho da misericórdia e levante-se que estás “revestido das vestes da salvação, coberto com um manto de justiça” (Isaías 61, 10).

O publicano da parábola subiu ao templo para orar; disse simplesmente, mas do fundo do coração: “Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!”, e “voltou para casa justificado” (Lc 18, 14), reconciliado, feito novo, inocente. O mesmo, se temos a sua fé e o seu arrependimento, se poderá dizer de nós voltando à casa depois desta liturgia.

***

Entre os personagens da paixão que podemos nos identificar percebo que deixei de citar um, que mais do que ninguém, espera quem lhe siga o exemplo: o bom ladrão.

O bom ladrão faz uma confissão completa dos pecados; diz ao seu companheiro que insulta Jesus: “Nem sequer temes a Deus, estando na mesma condenação? Quanto a nós, é de justiça; estamos pagando por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal” (Lc 23, 40 ss.). O bom ladrão se mostra aqui um excelente teólogo. Só Deus de fato, se sofre, sofre absolutamente como inocente; qualquer outro ser que sofre deve dizer: “Eu sofro com justiça,” porque, embora não seja responsável pela ação imputada, nunca está totalmente sem culpa. Só a dor das crianças inocentes é semelhante àquela de Deus e por isso é tão misteriosa e tão sagrada.

Quantos crimes atrozes que permanecem, nos últimos tempos, sem culpados, quantos casos não resolvidos! O bom ladrão faz um apelo aos responsáveis: façam como eu, venham à luz, confessem a vossa culpa; experimentareis também vós a alegria que eu senti quando ouvi a palavra de Jesus: “Hoje estarás comigo no paraíso!” (Lc 23, 43). Quantos réus confessos podem confirmar que foi assim também para eles: que passaram do inferno ao paraíso no dia que tiveram a coragem de arrepender-se e confessar a sua culpa. Eu também conheci alguns. O paraíso prometido é a paz da consciência, a possibilidade de olhar-se no espelho ou olhar para os próprios filhos sem ter que desprezar-se.

Não carreguem convosco até o túmulo o vosso segredo; encontraríeis uma condenação muito mais temível do que aquela humana. O nosso povo não é cruél com quem errou mas reconhece o mal feito, sinceramente, não somente por algum interesse. Pelo contrário! Está pronto para ter pena e acompanhar o arrependido no seu caminho de redenção (que de qualquer forma, torna-se mais curto). “Deus perdoa muitas coisas, por uma obra boa”, diz Lucia ao Inominável no “Os Noivos”. Ainda mais, devemos dizer, que ele perdoa muitas coisas por um ato de arrependimento. Ele prometeu solenemente: “Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlate, tornar-se-ão alvos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim tornar-se-ão como a lã” (Is 1, 18).

Continuemos a fazer o que, como escutamos no início, é a nossa tarefa neste dia: com vozes de alegria exaltemos a vitória da cruz, entoemos hinos de louvor ao Senhor. “O Redemptor, sume carmen temet concinentium”( Hino do Domingo de Ramos e da Missa crismal da Quinta-feira Santa): E vós, ó nosso Redentor, aceite o canto que elevamos para vós.

[Tradução Thácio Siqueira]

[1] Disponível em: http://www.cantalamessa.org/?p=1654&lang=pt.

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