By

Comentários à Salve Rainha – (Parte IX) – “Ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria”

Salve, Rainha, Mãe de misericórdia,

vida, doçura e esperança nossa, salve!

A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva.

A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

Eia, pois, advogada nossa,

esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei.

E depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre,

Ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria.

 V. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

         Os santos vivem imersos, mergulhados na Graça de Deus e justamente por isso, têm eles como que uma “segunda natureza”. São Paulo, na carta aos Gálatas manifesta essa realidade de forma inequívoca, quando afirma: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Cf. Gl 2, 20).

         Esses heróis da Fé corresponderam de tal maneira às graças que Deus lhes concedeu em vida, que essa correspondência lhes torna capazes de acrescentar algo de valioso onde, a princípio, poderíamos imaginar que não existe mais nada a adicionar, nenhum espaço a ser preenchido. Os santos podem sempre nos presentear com boas surpresas! O Amor de Deus é um tesouro inesgotável e, pela devoção a Nossa Senhora, eles podem tirar desse tesouro sempre algo mais.

         Este é precisamente o caso que se deu com o complemento acrescentado por São Bernardo de Claraval à oração da Salve, Rainha.

         Como temos visto nestes Comentários, é esta uma oração tão rica, tão cheia de significados arrebatadores que, à primeira vista, dir-se-ia que está completa, nada mais poderia ser acrescido a ela. Mas, de repente vem um grande Santo, inflamado de um sublime amor à Mãe de Deus e, ao que estava já completo, acrescenta ainda uma parte inédita e valiosa: “Ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria!” De fato, este complemento que não havia na oração original foi acrescido por este grande santo, São Bernardo, chamado Doutor Melífluo. (1)

         Vejamos, portanto, como se deu esse fato, na bela narração de Monsenhor João Clá, no seu livro Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado:

          “Glorioso encomiasta da Santíssima Virgem, São Bernardo não podia pensar na clemência de Nossa Senhora sem experimentar um sentimento que, muitas vezes, chegava até o êxtase.

       Foi assim que, na noite do Natal de 1146, encontrando-se ele na Catedral de Speyer (Alemanha), onde pregaria durante a Missa do Galo, ouviu a multidão ali presente cantar, com profunda piedade, a Salve Regina. Ao fim das palavras: ‘et Jesus benedictum fructus ventris tui, nobis post hoc exsilium ostende’ (e depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre), emudeceram-se todas as vozes, pois assim terminava então aquela incomparável prece.

       Emocionado, ajoelhou-se São Bernardo diante do altar-mor, recolhendo-se por alguns momentos antes do sermão que pronunciará. Nunca o havia tocado tanto a Salve Regina quanto naquela noite! ‘Eia ergo, advocata nostra’… Este brado de confiança era tão penetrante, íntimo e irresistível, que pedia uma resposta de clemência, suavidade e doçura.

       Ainda ressoam no sagrado recinto as últimas sílabas daquele clamor à Rainha do Céu. E Nossa Senhora põe a resposta nos lábios de seu discípulo predileto, Bernardo de Claraval.

       Voltado para os fiéis, de pé e com os braços abertos, São Bernardo eleva sua potente voz que domina toda a assistência. Num terno e inexcedível verso, anuncia ele ao povo de Deus ali presente seu louvor à Mãe Virginal: ‘O clemens, o pia, o dulcis Virgo Maria!’ (ó clemente, ó piedosa, ó dolce e sempre Virgem Maria).

          Tão profunda foi a impressão que este arroubo de piedade produziu, que a frase ecoou por toda a Cristandade. E a partir de então a Igreja adotou estas belas palavras que encerram, até hoje, a Salve Regina: ‘O clemens, o pia, o dulcis Virgo Maria’.

         Estava reservado a esse grande Santo, entusiasta da clemência de Maria, nos ensinar aquilo que ainda podemos dizer à Santíssima Virgem quando nada mais temos a Lhe suplicar”. (2)

        Incansável clemência e misericórdia de nossa Mãe Santíssima

          Ao enriquecer a já tão bela oração da Salve, Rainha com esse fabuloso complemento, quis São Bernardo, inspirado pela Graça, enaltecer a clemência de nossa Mãe, sobretudo para com os mais necessitados; especialmente para com os pecadores, carentes da misericórdia de Deus. Vejamos a interessante definição do dicionário Houaiss para a palavra “clemência”: “substantivo feminino. 2. sentimento ou disposição para perdoar as ofensas e/ou minorar os castigos; indulgência, bondade, benignidade” (3). Como temos visto, não é justamente este o papel que desempenha Nossa Senhora, ao buscar alívio para as nossas penas e nos ajudar a alcançar a Salvação?

         Com muita propriedade, Santo Afonso explica o novo proceder que Nosso Senhor Jesus Cristo veio trazer no Novo Testamento: ao invés do “olho por olho, dente por dente”, a clemência, a piedade, a misericórdia. Esse proceder clemente atinge seu auge pela intercessão de Nossa Senhora.

         Citando outros grandes santos e teólogos (como é bela esta comunhão entre os santos!), comenta Santo Afonso:

          ‘Consentis, Senhor, que façamos descer fogo do céu e os consuma?’ – assim perguntaram ao Mestre João e Tiago, quando os samaritanos se recusaram a receber Jesus Cristo e sua doutrina. Respondeu-lhes então o Salvador: Não sabeis de que espírito sois? (Lc 9,55). Queria dizer: Sou de um espírito todo de clemência e doçura; para salvar e não para castigar os pecadores, vim do céu e vós quereis vê-los perdidos? Falais em fogo e castigo? Calai-vos e nisso não me faleis mais, porque não é esse meu espírito! Ora, sendo o espírito de Maria completamente semelhante ao de seu Filho, não podemos pôr em dúvida seu natural compassivo. De fato, é chamada Mãe de Misericórdia e foi a própria misericórdia de Deus que tão compassiva e clemente a fez para todos. Assim o revelou a própria Virgem a S. Brígida. Por isso representa-a S. João revestida do sol: Apareceu um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol (Ap 12,1). Comentando o trecho, diz S. Bernardo à Virgem: Senhora, revestistes o Sol (Verbo Divino) da carne humana, mas ele vos revestiu também de seu poder e de sua misericórdia.

         Nossa Rainha – continua o Santo – é sumamente compassiva e benigna; quando algum pecador se encomenda à sua misericórdia, ela não se põe a examinar-lhe os méritos, para ver se é digno de ser ouvido ou não, mas a todos atende e socorre. Eis a razão, conforme observa Hildeberto, por que de Maria se diz que é bela como a lua (Ct 6,9). Assim como a lua ilumina e beneficia os objetos mais inferiores sobre a terra, também ilumina Maria e socorre os pecadores mais indignos. Embora a lua receba do sol toda a sua luz, leva menos tempo que ele para descrever seu curso (…). Isso motiva então as palavras de Eádmero ao afirmar que nossa salvação será mais rápida, se chamarmos por Maria, do que se chamarmos por Jesus. Pelo que Hugo de S. Vítor nos adverte que se os nossos pecados nos fazem ter medo de nos chegarmos para Deus, cuja Majestade infinita ultrajamos, não devemos recear de recorrer a Maria; pois nada nela existe que inspire terror. É verdade que é santa, imaculada, Rainha do mundo e Mãe de Deus. Mas é uma criatura e filha de Adão, como nós.

         Em suma, conclui S. Bernardo, tudo o que pertence a Maria é cheio de graça e de piedade, porque, como Mãe de misericórdia, se fez tudo para todos; por sua imensa caridade tornou-se devedora dos justos e dos pecadores; para todos está aberto seu coração, para que possam receber de sua misericórdia. Se por um lado está o demônio sempre procurando a quem dar a morte, como no-lo atesta S. Pedro (1Pd 5,8), de outro lado está buscando Maria almas a quem possa dar a vida e salvar, segundo afirma Bernardino de Busti.

 É doce o nome de Maria e invocá-lo com frequência atrai as Graças de Deus

          Finalmente, podemos concluir este capítulo comentando ainda um importante aspecto: ao usar de clemência para conosco, nossa Rainha o faz docemente. Não o faz de modo amarrado, forçado, contrariado, como se fosse a ele obrigado. Não! Ela o faz com doçura. Devemos ter total segurança ao invocar o nome de Maria, pois, segundo Santo Afonso, há uma “doçura de conforto, de amor, de alegria, de confiança e fortaleza, que este nome de Maria ordinariamente dá àqueles que o pronunciam com devoção”.(4) Ainda diz ele:

 “Sigamos sempre, por conseguinte, o belo conselho de São Bernardo: Nos perigos, nos apuros, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca a Maria; nunca se aparte seu nome de teus lábios, de teu coração. Em todos os perigos de perder a graça divina pensemos em Maria, invoquemos o seu nome e o de Jesus, para que andem sempre unidos esses dois nomes. Nunca se apartem nem do nosso coração, nem da nossa boca, esses dois dulcíssimos e poderosíssimos nomes. Pois eles nos darão forças para não cairmos e para vencermos sempre todas as tentações”. (5)

 “Graças inestimáveis prometeu Jesus Cristo aos devotos do nome de Maria, conforme assevera [em revelações a] Santa Brígida. Disse Ele a sua Mãe Santíssima: Quem invocar o teu nome com propósito de emenda e confiança, receberá três graças particulares: perfeita dor dos seus pecados e satisfação por eles, força para progredir na perfeição e finalmente a glória do paraíso. Ó minha Mãe, acrescentou o Senhor, nada vos posso negar de quanto me pedis, porque vossas palavras são tão doces e agradáveis a meu coração”. (6)

         Anime-nos, portanto, a confiança na intercessão da Sempre Virgem Maria e seja Ela a razão de toda a nossa esperança: Ó clemente, ó piedosa, ó doce Mãe!

      Na próxima parte, a Conclusão: Rogai por nós, Santa Mãe de Deus. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo!

Prof. João Celso


(1) Conheça a biografia de S. Bernardo na Revista Arautos do Evangelho. Disponível em: http://www.arautos.org/especial/28855/Sao-Bernardo-de-Claraval

(2) Monsenhor João Clá Dias. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. São Paulo: Artpress, 1997. p. 275

(3) Grande Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Disponível em: http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=clem%25C3%25AAncia

(4)  Santo Afonso Maria de Ligório. Glórias de Maria.  3ª. Ed. Aparecida: Editora Santuário, 1989, p. 214

(5)  Ibidem, p. 217

(6)  Ibidem, p. 217/218,

By

Pica-Pau II: Resposta a um interessante questionamento

Após a publicação do artigo “Os mistérios de Deus revelados em uma pequena ave: o pica-pau”, o Blog Arautos de Maringá recebeu um interessante, conciso e profundo comentário. Nosso assinante expôs o seguinte: se a evolução tende para a preservação das espécies, por que o homem evoluiu para uma espécie autodestrutiva?

De fato, uma espécie em que seus indivíduos são capazes de fazer tanto mal a si próprios e aos seus semelhantes não existe na Terra. Além disso, infelizmente, nas últimas eras históricas nossa espécie não tem evoluído, mas “involuído” nesse aspecto.

Afinal de contas, alguém já viu um cão deitado passando mal por ter comido demais? Alguém já conheceu um gato que parou no hospital por passar noites em claro brincando com seu “game” preferido, o novelo de lã? Ou um lhama que é viciado em folhas de coca? Não é comum encontrarmos cenas dessas em nosso cotidiano. Porém, a espécie humana tem se especializado em criar armas para estilos de guerra injustos, desproprcionais e genocídicos, como as armas químicas, biológicas e nucleares, que todos nós esperamos nunca conhecer de perto, é claro!

Sabemos que o homem se destaca e domina entre os animais por sua inteligência. Mas esse caráter desordenado que assustaria as formigas, se elas pensassem, e essa tendência auto-destrutiva que causaria o mesmo susto em qualquer espécie, não foi eliminado pelo processo evolutivo, nem pela seleção natural.

Na verdade a resposta para esta questão não é a biológica, mas encontra-se na Teologia da Santa Igreja Católica. Esse defeito exclusivo do homem vem de algo que somente ele provou: o pecado original, que ofendeu ao Criador do universo:

Por seu pecado, Adão, na qualidade de primeiro homem, perdeu a santidade e a justiça originais que havia recebido de Deus não somente para si, mas para todos os seres humanos. À sua descendência, Adão e Eva transmitiram a natureza humana ferida por seu primeiro pecado, portanto privada da santidade e da justiça originais. Esta privação é denominada “pecado original”. Em consequência do pecado original, a natureza humana está enfraquecida em suas forças, submetida à ignorância, ao sofrimento e à dominação da morte, e inclinada ao pecado (1).

Por conseguinte, fez com que nossas almas ficassem desordenadas e tendentes ao mal: nossa sensibilidade não quer submeter-se a nossa vontade, que por sua vez, não deseja ser guiada pela razão. E a razão só é bem conduzida quando é seguida pela luz da Fé:

O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a consciência reta; é uma falta ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego perverso a certos bens. Fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana (2).

E qual é a solução? Esta nos trouxe Nosso Senhor Jesus Cristo com a Redenção, através da Graça. Através dos sacramentos e da prática da virtude, podemos não ser autodestrutivos, mas chegar também à perfeição moral, exemplificada nos numorosíssimos santos da Santa Madre Igreja.

Esta é a verdadeira “evolução” que salvará a humanidade.

Agradecemos ao assinante que nos mandou esta pergunta. Obrigado por nos ter dado a ocasião de fazer uma meditação (e por que não uma oração?), elevando, assim, nossas almas, através das maravilhas da criação ao seu Criador.

______________________________

(1) Catecismo da Igreja Católica, n° 416 a 418, pág. 118.

(2) Idem, n° 1849, pág. 495.

By

Devoção a Nossa Senhora Comentários à Salve Rainha – (Parte VIII)

Virgen de la pera - Museu do Prado, MadriSalve, Rainha, Mãe de misericórdia,

vida, doçura e esperança nossa, salve!

A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva.

A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

Eia, pois, advogada nossa,

esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei.

 E depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre,

 ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria.

V. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

.

E depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre”

Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo, Confessor e Doutor da Igreja nasceu em Nápoles (Itália) em 27 de setembro de 1696 e morreu em 01 de agosto de 1787. Fundou a Congregação do Santíssimo Redentor (Redentoristas). Viveu 90 anos e teve uma vida de muitas batalhas e provações, entre as quais, por exemplo, ter sido expulso, por causa de intrigas, da Ordem religiosa que ele próprio fundara.

Santo Afonso Maria de LigórioÉ um dos escritores católicos mais fecundos, tendo publicado mais de 100 obras, abordando, principalmente a Teologia Moral. Escreveu um Tratado sobre a Oração que até hoje é uma das principais referências nessa matéria, no qual anima os católicos à confiança na oração incessante. Destaca-se também por sua entusiástica devoção a Nossa Senhora e, entre as suas principais obras está Glórias de Maria, que teve a sua primeira publicação em 1750. Um livro ao mesmo tempo simples, acessível e completo sobre Maria Santíssima, que já teve quase 1.000 edições no mundo todo.

Enfim, Santo Afonso é, como muitos outros Santos, um orgulho para os católicos. É verdade que, em geral, Deus não escolhe os mais capacitados; mas, com sua Graça, capacita os mais escolhidos. Mas, por outro lado é muito bom ver os mais capazes, em termos de dons naturais, servindo a Deus com afinco, dedicação e fidelidade. Santo Afonso é a prova de que é possível sim, ser brilhante, capaz e ao mesmo tempo, servir com entusiasmo a Igreja de Deus.

De inteligência rara, já aos 18 anos Afonso era um advogado reconhecido por sua capacidade, doutorado em direito civil e eclesiástico, com uma carreira de sucesso pela frente, podendo alcançar com facilidade tudo o que o mundo lhe proporcionasse. Porém, tudo abandona por amor a Deus, e abraça a vocação religiosa, dedicando-se ao sacerdócio. Sempre creditou a sua conversão à intercessão de Nossa Senhora. Com imensos talentos intelectuais, destacava-se, entretanto, por sua humildade, como atesta o fato a seguir, narrado na apresentação do livro Glórias de Maria:

Tendo junto a si um crucifixo e o quadro de Nossa
Senhora da Esperança que ele mesmo pintara,
Santo Afonso entregou serenamente
sua alma a Deus no dia 1º de
agosto de 1787

Era o dia 25 de outubro de 1784, numa pobre cela do convento redentorista de Pagani. O velho Padre Afonso de Ligório, todo recurvado pela artrose, ouvia atentamente o Irmão Romito que lia para ele um livro de piedade. O velhinho parecia cochilar. Mas, de repente, interrompeu a leitura: – “Irmão, quem é o autor desse livro tão belo sobre Maria?” O irmão enfermeiro arqueou as sombrancelhas, sorriu levemente e, com uma ponta de malícia, leu: – “‘As Glórias de Maria’ pelo ilustríssimo Dom Afonso de Ligório…”

Padre Afonso ficou um instante com os lábios entreabertos, ligeiramente desconcertado, e acabou dizendo: – “Meus Deus, eu vos agradeço o terdes me inspirado essa obra em honra de vossa Mãe Santíssima. Como é bom, às portas da eternidade, poder pensar que fiz alguma coisa para semear nos corações a devoção a Maria!”.(1)

E como é bom podermos ainda hoje apreciar esse tesouro!

Tendo feito este pequeno passeio e saboreado um trecho da biografia deste grande Santo, avancemos na meditação da Salve, Rainha.

Os novíssimos do homem

Como já referenciado em outra parte destes comentários(2), enquanto caminhamos para nossa Pátria celeste, nossa vida sobre a terra é um desterro, um exílio. Nesta invocação, pedimos a Nossa Senhora que, depois deste período transitório, Ela nos mostre Jesus, ou seja, que interceda por nós junto a Seu Divino Filho. Que seja nossa Auxiliadora durante este desterro e também depois deste desterro.

O Livro do Eclesiástico nos lembra: Em todas as tuas obras lembra-te dos teus Novíssimos, e jamais pecarás” (Cf. Eclo 7, 40). De fato, são as últimas coisas que nos acontecerão neste vale de lágrimas, ao encerrarmos nosso tempo de exílio. “O primeiro [novíssimo] é a morte, seguida do Juízo Particular, do qual resultará o prêmio ou o castigo eterno”(3)

Santo Afonso de Ligório nos convida a meditar sobre o papel que Maria Santíssima exercerá durante estes acontecimentos finais de nossa vida terrena, que culminarão no nosso destino eterno. Para o devoto de Nossa Senhora, a intercessão que Ela exerce será de grande valia nessa hora extrema: na hora de nossa morte, no nosso juízo particular e, ainda, caso a nossa alma não esteja completamente limpa e formos ao Purgatório, Ela intervirá para livrar dos sofrimentos e levar para o Céu o quanto antes os seus filhos queridos,

Comenta Santo Afonso que “é impossível que se perca um devoto de Maria, que fielmente a serve e a Ela se encomenda”.(4) Citando ainda vários santos, afirma: quem serve a Maria fiel e devotamente em sua vida, procurando honrá-la, não morrerá em pecado:

“[Maria] como Mãe deseja a nossa salvação mais do que nós a desejamos. Ora, assim sendo, como poderá perder-se um fiel devoto de Maria? E ainda que seja pecador, salvar-se-á, se com perseverança e propósito de emenda se encomendar a essa boa Mãe. Ela o levará ao conhecimento de seu miserável estado, ao arrependimento de seus pecados. Obter-lhe-á a perseverança no bem e finalmente uma boa morte”.(5)

É sobretudo no momento de nossa morte que Maria vem em nosso auxílio, porque Jesus, seu Filho, no-La deu por Mãe no momento de sua própria morte”.(6) Proporciona uma boa morte a seus fiéis devotos esta boa Mãe, e também roga por eles no momento de seu Juízo particular. Continuemos com Santo Afonso:

“Quem ousará dizer-me, escreve Ricardo de S. Vítor, que Deus não me será propício no dia do juízo, se estiverdes ao meu lado, ó Mãe de Misericórdia? – O Beato Henrique Suso protestava que às mãos de Maria havia confiado a sua alma. Se o juiz tivesse de condená-lo, queria que passasse a sentença pelas mãos misericordiosas da Virgem porque, como esperava, nesse caso ficaria suspensa a execução. O mesmo digo e espero para mim, ó minha Santíssima Rainha. Por isso quero repetir continuamente com S. Boaventura: Em vós, Senhora, pus toda a minha esperança, por isso seguramente espero não me ver perdido, mas salvo no céu para louvar-vos e amar-vos para sempre”.(7)

Maria socorre seus devotos no purgatório

As almas do purgatório são muito necessitadas de auxílio e de oração, pois já não podem ter nenhum tipo de merecimento, ou seja, não podem rezar por si mesmas. Por essas almas, empenha-se muito especialmente a Mãe de Misericórdia. “Revelou Nossa Senhora a S. Brígida: Eu sou a Mãe de todas as almas do purgatório; pois por minhas orações lhes são constantemente mitigadas as penas que mereceram pelos pecados cometidos durante a vida”.(8)

O que dizer ainda dos privilégios do escapulário do Carmo?

“Conhecidíssima é a promessa que Maria fez ao Papa João XXII. Apareceu-lhe um dia e lhe ordenou fizesse saber a todos aqueles que trouxessem o escapulário do Carmo que seriam livres do purgatório no primeiro sábado depois da morte”(9)

Esta riquíssima devoção do escapulário a Igreja torna acessível a todos quantos a queiram desfrutar. Os Arautos são incansáveis divulgadores desta devoção, pois, de fato, não é pouca coisa receber a visita de Maria Santíssima e ser livre do purgatório no primeiro sábado depois da morte! E todo sacerdote tem a investidura para benzer e impor os escapulários. Realmente, uma graça estupenda!(10)

Finalmente, depois de ter-lhes dado uma boa morte, tê-los acompanhado durante o juízo e tê-los livrado do purgatório, Maria Santíssima leva seus devotos para o Paraíso. Não sem razão, a Igreja lhe chama “Porta do Céu”. Sobre essa invocação, comenta Santo Antonio Maria Claret:

“Nossa Senhora pode salvar a seus verdadeiros devotos; Ela o quer, e o faz. Pode, porque é a porta do Céu; quer, porque é a Mãe de misericórdia. Maria o faz, porque obtém a graça justificante aos pecadores, o fervor aos justos e a perserverança aos fervorosos. Por isso os santos Padres A chamam a resgatadora dos cativos, o canal da graça e a dispensadora das misericórdias. (…)

E quando a Igreja diz que esta incomparável Rainha é a porta do Céu e a janela do Paraíso, nos ensina com essas palavras que todos os eleitos, justos e pecadores, entram na mansão da glória pela mediação de Nossa Senhora, com esta única diferença: que os justos entram por Ela como pela porta aberta; mas os pecadores [arrependidos], pela janela que é Maria. Depois de Jesus, nEla devemos pôr toda nossa confiança e esperança de nossa eterna salvação”.(11)

Portanto, durante todo o curso deste desterro – que é a nossa vida terrena – e quando tivermos que comparecer diante de Deus após nossa morte, confiemos sempre, sem cessar na intercessão de nossa Rainha, que, ao mesmo tempo é Mãe de nosso Juiz. Coloquemos em suas mãos Virginais o nosso destino eterno, com a certeza da vitória até o Céu!

Nossa Senhora, Auxílio dos Cristãos, rogai por nós!

Por Prof. João Celso

1) Fl. Castro, C.SS.R. Apresentação. Glórias de Maria (de Santo Afonso de Ligório). 3ª ed. Aparecida: Ed. Santuário, 1989.
3) Monsenhor João Clá Dias. Os novíssimos do homem. http://www.arautos.org/artigo/6077/Os-novissimos-do-homem- Comentários ao Evangelho. 13/07/2009.
4) Santo Afonso Maria de Ligório. Glórias de Maria. 3ª. Ed. Aparecida: Editora Santuário, 1989, p. 182.
5) Ibidem, p. 185
6) Monsenhor João Clá Dias. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. 2ª. Ed. São Paulo: ACNSF/Loyola, 2011. p. 310
7) Santo Afonso Maria de Ligório, op. cit. p. 188
8) Ibidem, p. 191
9) Ibidem, p. 193.
10) Maiores informações sobre o escapulário do Carmo. Consulte o site dos Arautos do Evangelho:http://www.arautos.org/artigo/64/Como-receber-e-usar-o-Escapulario-
11) Santo Antonio Maria Claret apud Monsenhor João Clá Dias, op. cit. p. 292.

By

Devoção a Nossa Senhora – Comentários à Salve Rainha – (Parte VII)

Salve, Rainha, Mãe de misericórdia,

vida, doçura e esperança nossa, salve!

A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva.

A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

Eia, pois, advogada nossa,

esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei.

E depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria.

V. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

.

Volvei para nós esses vossos olhos misericordiosos”

O cuidado materno é uma das coisas mais maravilhosas que Deus colocou na natureza humana. As mães têm por seus filhos uma dedicação incansável; quase se diria uma dedicação incompreensível aos olhos de quem não entende todo o significado do amor materno. Têm elas por seus filhos cuidados extremos: uma mínima queixa durante a noite, por exemplo, faz com que a mãe imediatamente se levante e vá atender à necessidade de seu filho; pode ser uma simples indisposição, pode ser o começo de uma gripe, pode ser fome, não importa: lá está ela alerta, disposta, sem olhar para o seu próprio cansaço. São os olhos maternos que permanecem atentos, vigilantes, prontos a fazer qualquer sacrifício para atender o seu filho. E se não for uma ocasião de necessidade que obrigue os olhos maternos a velarem o seu filho durante a noite, pode ser também num simples passeio, ou de uma brincadeira num parque, por exemplo. O tempo todo a mãe vigia para que seu filho não caia, não se machuque; mas, se por acaso acontecer de cair, imediatamente a atenção de mãe cuidará para que seu filho se levante o quanto antes! Desvelo de mãe, cuidado materno!

Ora, este cuidado, esta atenção que os olhos maternos têm para com os seus filhos são apenas uma pequena demonstração, uma pré-figura do que são os olhos misericordiosos de nossa Mãe Santíssima, pois Ela está constantemente movendo o seu olhar e acompanhando detalhadamente a nossa vida.

As Bodas de Caná, um grande exemplo do olhar de Maria sobre seus filhos.

Fachada e interior da igreja erigida no local das Bodas de Caná

É muito conhecido o episódio narrado nos Evangelhos em que Jesus e Sua Mãe Santíssima foram convidados para um casamento, em Caná da Galiléia (Cf. Jo 2,1-11). Segundo São Luís Maria Grignion de Montfort, nessa ocasião, por intercessão de Nossa Senhora, Nosso Senhor Jesus Cristo realizou o seu primeiro milagre na ordem da natureza.(1) A Rainha de misericórdia percebe que o vinho iria faltar, o que, de fato, iria gerar um extremo constrangimento para os jovens esposos.

.
Comenta o Fundador dos Arautos, Monsenhor João Clá:
>Como sempre, despreocupada de Si, Maria Santíssima prestava atenção em tudo, desejosa de fazer o bem aos outros. Percebeu, então, talvez sem ninguém Lhe ter comunicado, a situação embaraçosa: acabara o vinho. Que vergonha para os anfitriões! Quão grande seria a decepção quando isto viesse a saber-se! Isto, porém, não aconteceu, pois, como diz São Bernardino de Siena, “o Coração de Maria não poderia ver uma necessidade, uma aflição” e, mesmo sem ser rogada, “Ela intervém, pedindo um milagre para tirar de embaraços esses humildes esposos”.

.

É muito importante notar o quanto Maria está vigilante, pronta a atender às necessidades dos noivos, os quais, provavelmente nessa circunstância festiva, estavam completamente alheios ao imenso problema que teriam em breve: a falta de vinho. E Ela lhes ajuda, sem que eles saibam, ou melhor, sem que sequer tenham pedido.

.
Assim também acontece conosco, que somos filhos de Maria: O Seu olhar misericordioso está o tempo todo acompanhando as nossas necessidades e, antes mesmo que peçamos, Ela está intercedendo por nós junto a Seu Filho Divino.

Santo Afonso de Ligório comenta em seu magistral Glórias de Maria:

Com grande afeto dirigia S. Gertrudes certa vez as sobreditas palavras à Virgem Santíssima: A nós volvei esses vossos olhos misericordiosos. Apareceu-lhe então a Senhora com o Menino Jesus nos braços e, mostrando-lhe os olhos de seu divino Filho, disse: São estes os olhos misericordiosos que posso inclinar, a fim de salvar todos a aqueles que me invocam.

Chorando uma vez um pecador diante de uma imagem de Maria, e pedindo-lhe que lhe alcançasse de Deus o perdão de seus pecados, viu a bem-aventurada Virgem voltar-se para o Menino que tinha nos braços e lhe dizer: Filho, perde-se-ão estas lágrimas? Reconheceu o infeliz que Jesus Cristo lhe concedera o perdão.(2)

Mas, se o olhar que Maria mantém constantemente sobre nós já é motivo de verdadeiro encantamento para seus filhos, que dizer, então, de seu olhar misericordioso? Ou seja, é um olhar não apenas atento e carinhoso, mas, principalmente, um olhar que reconhece, que entende a miséria de seus filhos e deles se compadece.
Com muita clareza explica Santo Afonso no que consiste essa misericórdia:

Predissera o Profeta Isaías que pela grande obra da redenção nos devia ser preparado um sólio de misericórdia. “E será estabelecido um sólio de misericórdia” (16,5). Mas qual é esse sólio? É Maria, na qual acham confortos de misericórdia, não só os justos, mas também os pecadores, responde Conrado de Saxônia. Assim como o Salvador é cheio de piedade, também o é Nossa Senhora; à semelhança do Filho, a Mãe nada pode recusar a quem a chama em seu socorro”.(3)

Portanto, assim como Maria não tira por um momento sequer o seu misericordioso olhar sobre nós, sobre nossos problemas, sobre nossas necessidades, assim também nós devemos pedir a imensa graça de não desviar – nem sequer por um instante – o nosso próprio olhar da misericórdia de nossa Mãe. Devemos confiar sempre e cada vez mais que esse olhar há de nos valer em todas as nossas necessidades, “agora e na hora de nossa morte”. Amém.

Por Prof. João Celso

1)São Luís Maria Grignion de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. 38ª. Ed. Petrópolis: Vozes, 2009. P. 28.
2)Santo Afonso de Ligório. Glórias de Maria. 3ª. Ed. Aparecida: Ed. Santuário, 1989. P. 179
3)Ibidem, p. 178

By

Brasil, Terra de Santa Cruz

Desde suas mais remotas origens, o Brasil está estreitamente vinculado à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Logo ao nascer, serviu de altar para a celebração da santa Missa, à sombra benfazeja de uma grande cruz plantada em seu solo. Como não ver nesses fatos um desígnio providencial?

Por Antonio Queiroz (Fonte: Revista Arautos do Evangelho – Agosto – 2004. Pags 40-42)

Alguém disse que a história de um homem começa, pelo menos, duzentos anos antes de ele nascer. E a de um povo, quando tem início? Pode-se afirmar que ela começa tão mais remotamente quanto maior é a vocação à qual esse povo está destinado pela Providência.

O marco inicial da História do Brasil

Corria o ano de 1139. Na véspera da Batalha de Ourique, o destemido príncipe Dom Afonso Henriques decidiu passar a noite em oração, certamente para pedir a vitória das tropas portuguesas, mas talvez também pressentindo em sua alma o grande acontecimento que se daria no dia seguinte. Próximo ao amanhecer, levantando os olhos ao céu, viu um raio de luz resplandecente, no qual lhe apareceu “uma cruz de extraordinária grandeza, mais esplendorosa que o sol. E nela Jesus Cristo crucificado, acompanhado de grande multidão de anjos formosíssimos”.

Prostrado por terra, o príncipe perguntou ao Redentor o motivo de “tão soberana mercê”. Este lhe respondeu que viera para “fortalecer teu coração e fundar os princípios de teu reino sobre rocha firme”. E acrescentou: “Eu sou o Fundador e destruidor dos reinos e dos impérios. Sobre ti e teus descendentes, quero fundar para Mim um império, por meio do qual seja meu nome publicado entre as nações mais estranhas”.

Raiou o dia, travou-se a batalha e, no próprio campo da luta, os guerreiros cristãos aclamaram Dom Afonso Henriques rei. Assim nasceu o Reino de Portugal, com a missão de “publicar o nome de Cristo entre as nações”.

Quase quatro séculos depois, atracava em terras brasílicas — Porto Seguro, na Bahia — uma esquadra cujas naus arvoravam a Cruz da Ordem de Cristo. A Nação brasileira era uma daquelas nas quais o Divino Redentor queria que o Reino Luso publicasse o seu santo Nome.

Pode-se, pois, dizer que a História do Brasil começa na Batalha de Ourique.

Um país marcado pela Cruz de Cristo

Na manhã de 8 de março de 1500, uma grandiosa cerimônia se desenrola na Capela Real de Belém, Portugal: ao final de uma vigília de armas, Pedro Álvares Cabral recebe do rei Dom Manuel, o Venturoso, o estandarte da Ordem de Cristo. Comandando uma esquadra de 13 naus com 1500 destemidos navegadores, esse rijo fidalgo de 32 anos partia para uma incerta e arriscada viagem rumo à Índia.

Com bandeiras desfraldadas, os navios levantaram âncoras e seguiram em direção ao Ocidente. Ao cabo de um mês e meio de navegação, notaram os primeiros indícios de terra próxima. Narra o escrivão da armada: “Assim seguimos nosso caminho por mar, até que terça-feira das oitavas de Páscoa, que é 2l de abril, topamos com alguns sinais de terra. Na quarta-feira seguinte (22 de abril) avistamos as primeiras aves. Neste mesmo dia, à hora de véspera, avistamos terra. Primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo, e outras mais baixas, ao sul dele, todas muito chãs e com grandes arvoredos. Ao qual monte alto o capitão pôs o nome de Monte Pascoal, e à terra, de Vera Cruz”.

Estava descoberto o Brasil.

Desembarque de Cabral em Porto Seguro

No dia 23, desembarcaram os navegadores, ficando a nova terra como propriedade da Ordem de Cristo. Algum tempo depois, mudaram-lhe o nome para Terra de Santa Cruz.

E coisa que a nós brasileiros tornou-se banal, mas que aos estrangeiros maravilha, é poder ver, de qualquer ponto deste imenso território, o Cruzeiro do Sul, uma cruz feita de estrelas pelo próprio Deus, a cintilar nos nossos céus.

A julgar por um fato minúsculo, mas cheio de significado, parece que o Criador quis marcar, não só os céus, mas também a terra brasílica com este sinal da nossa Fé. No Parque Nacional do Monte Pascoal existe um cipó que, cortado em qualquer posição, deixa ver, com toda nitidez, o desenho da mesma cruz da Ordem de Cristo, gravada nas velas dos navios da esquadra descobridora.

A certidão de nascimento do Brasil

Em poucas palavras, Caminha descreve de forma viva e precisa os primeiros contatos dos navegantes lusos com os silvícolas: “Muito se admiraram os portugueses das matas, aves e rios que encontraram nas costas da baía. E de tudo, o que mais os interessava eram naturalmente os habitantes da terra, os quais tinham boa índole, embora os ossos que lhes perfuravam os lábios demonstrassem sua infeliz condição de barbárie. Muito ariscos a princípio, pouco a pouco foram se aproximando dos portugueses. Ao cabo de três dias, muitos deles já haviam trocado arcos e flechas por presentes que lhes davam os visitantes. Até que no domingo seguinte já podiam os portugueses assistir a primeira Missa, que celebrava o descobrimento da nova terra”.

Em sua carta ao Rei Dom Manuel, a qual passou para a História como a certidão de nascimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha relata com pormenores este ato que marcou o início de nossa vida enquanto nação. Cabral mandou a todos os capitães que “se arranjassem nos batéis e fossem com ele ouvir Missa e sermão. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquela ilha, e dentro levantou um altar bem arranjado. E ali com todos nós fez dizer Missa, celebrada por Frei Henrique de Coimbra com voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos padres e sacerdotes, a qual todos assistiram, segundo meu parecer, com muito prazer e devoção”.

Acrescenta o Escrivão que na ilha estava com o capitão o estandarte da Ordem de Cristo, o qual foi mantido alto durante a leitura do Evangelho. Subindo a uma alta cadeira, o celebrante fez o sermão sobre o Evangelho do dia. No fim, tratou da terra recém-descoberta, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência vieram os navegantes.

Os índios brasileiros, “gente boa e de bela simplicidade”

Grande número de índios assistiram da praia à cerimônia religiosa. Ao final, tocaram cornos e dançaram, em sinal de contentamento. Não é, portanto, sem razão que Caminha aconselha ao rei de Portugal mandar catequizar nossa gente: “Não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa Santa Fé” – afirma.

Por fim, faz votos de que “Nosso Senhor os converta, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade… Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons”. E acrescenta: “Deus, para aqui trazer os portugueses, não foi sem causa”.

No dia 1º de maio, os navegadores desembarcaram no continente e escolheram um lugar para erguer uma grande cruz. Narra o escrivão da armada: “O madeiro foi conduzido em procissão, com os sacerdotes e religiosos cantando à frente. Setenta a oitenta índios acompanharam de perto, e assim que viram a Cruz sendo levada aos ombros pelos portugueses, puseram-se solícitos debaixo dela para ajudá-los a carregá-la. Erguido o cruzeiro, Frei Henrique de Coimbra celebrou a segunda Missa, desta vez no continente.Também a esta os índios assistiram, ajoelhando-se ou levantando-se do mesmo modo que faziam os portugueses. De maneira que tinham as almas abertas para imitar as boas ações que os navegantes lhes ensinassem.”

Um pormenor histórico, especialmente promissor, é que no primeiro encontro dos navegantes com nossos índios “o que mais agradou os nativos não foram bugigangas, mas as contas brancas de um rosário”.

Ao concluir sua carta ao Rei, o escrivão insiste: “Esta terra, Senhor, (…) de tal maneira é graciosa, que querendo aproveitar, dar-se-á nela tudo, por causa das águas que tem. Contudo o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar”.

Uma história que ainda está por acontecer

Se nenhum passarinho cai por terra sem que seja da vontade de Deus (Mt 10, 29), como duvidar que a Providência tenha reservado um grandioso futuro para esta Nação, cujo descobrimento foi assinalado por tantas bênçãos divinas?

Encontrará o Brasil, nas reservas morais de muitos de seus filhos, a fidelidade e os recursos necessários para realizar plenamente sua excelsa missão no terceiro milênio?

Razões não nos faltam para crermos que sim!

%d blogueiros gostam disto: