By

A glória que devemos buscar

Anunciação do Anjo a Nossa Senhora

Estudando o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luis Maria Grignion de Montfort, o leitor se divisará, entre muitas, uma grande verdade: a virtude que Deus mais ama é a humildade¹. Pois outro não é o desejo da Divina Majestade, que saibamos reconhecer o nosso próprio nada e o nada das coisas terrenas, e vivermos em conformidade com esta convicção², reconhecendo nossa dependência do Criador.

A tal ponto Deus ama a humildade que está escrito a respeito do Verbo Encarnado: “aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 1, 7-8).

Perscrutando por entre as maravilhas realizadas por Jesus na sua vida pública e registradas pelo Evangelho de São João, encontramos não somente milagres, mas também belíssimos ensinamentos, que são palavras de vida eterna.

 Entre estes, chama-nos especialmente a atenção um fato em que, numa análise desprovida de profundidade, a Divina Sabedoria pareceria contradizer a si mesma na questão da humildade e da humilhação:

Certa feita, alguns gregos pediram para ver a Jesus, por meio de Felipe e André. Eis que “Jesus respondeu-lhes: ‘Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado`” (Jo 12, 23).

Jesus quer nos ensinar a buscar a humildade ou a glória?

Ora, se de um lado, Jesus se humilhara e buscou sempre a humildade, chegando a afirmar: “não busco a minha glória. Há quem a busque e Ele fará justiça” (Jo 8, 50), como se explica que de seus lábios divinos seja dito que “o Filho do Homem vai ser glorificado”? Ele quer nos ensinar a buscar a humildade ou a glória?

Sobre esta aparente contradição, assim explica Mons. João Clá Dias:

“Na verdade, existe uma glória verdadeira ao lado da glória vã. Assim, Jesus não procura sua própria glória, mas não deixa de afirmar a máxima excelência de sua natureza divina e de manifestá-la aos outros, sempre que as circunstâncias o exijam. Há, então, uma exaltação e uma glória que são boas”³.

A verdadeira glória e a glória vã

A distinção entre a verdadeira glória e a vanglória, aquela que devemos buscar e esta que devemos rejeitar, encontra-se explicitada nas lições de São Tomás de Aquino. Nesse sentido o Fundador dos Arautos escreve que:

“O Doutor Angélico começa por se perguntar se o desejo de glória é pecado. Para responder, ele lembra que, segundo Santo Agostinho, ‘ser glorificado é receber um brilho`. E continua: ´O brilho tem uma certa beleza que se manifesta diante de todos. É a razão pela qual a palavra implica manifestação de alguma coisa que os homens acham bonita […]. Aquilo que é brilhante em si mesmo pode ser visto por muitos e de muito longe. Por isso mesmo se torna conhecido de muitos e recebe aprovação geral`.

“Tendo definido o sentido de glória, ele [São Tomás de Aquino] afirma: ‘Que alguém conheça e aprove seu próprio bem, não é pecado`. Igualmente ‘não é pecado desejar que suas boas obras sejam aprovadas pelos outros, porque se lê em São Mateus: Que vossa luz brilhe diante dos homens (5, 16). Por esta razão o desejo da glória, de si mesmo, não designa nada de vicioso`”.4

Assunção de Nossa Senhora aos Céus

E quando a glória será viciosa? A glória será viciosa, ou vanglória – ainda conforme São Tomás – quando, entre outras circunstâncias, o desejo de glória não está relacionado com a honra de Deus ou a salvação do próximo, ou seja, que se volta para o nada do egoísmo e das coisas terrenas. 5

Por fim, conclui Mons. João Clá Dias: “Temos, portanto, de um lado a vanglória e de outro a verdadeira glória, virtuosa desde que voltada para o louvor de Deus, para fazer bem aos outros e para a própria santificação”. 6

Aqui se encontra expressa a glória que devemos buscar com humildade: a verdadeira glória dos filhos de Deus. E também o que devemos rejeitar: a vanglória dos orgulhosos, que buscam sua própria satisfação com o esquecimento ou mesmo em detrimento da honra de Deus e do bem do próximo.

Quem, sendo meramente criatura humana, nos deu o mais belo exemplo de humildade, desprezo da vanglória e busca da verdadeira glória?

Para responder, bastará contemplar a Oração do Magnificat (Lc 14, 11) comparando-a com os conceitos de São Tomaz e as explicações de Mons. João Clá. Neste hino de vitória e agradecimento Nossa Senhora assim canta:

 “A minha alma engrandece o Senhor e exulta o meu espírito em Deus meu Salvador.” Percebemos em Maria Santíssima a alma que busca a honra, o engrandecimento do Senhor e encontra sua própria alegria e glória apenas nEle. Reconhece-o como Salvador e, desse modo, sua total dependência.

“Pois Ele viu a humildade de sua serva e desde agora todas as gerações me chamarão bem aventurada.” Ninguém se humilhou como a Santíssima Virgem, fazendo-se Serva e vivendo tanto em função de Deus. Ninguém, como Ela, foi tão exaltada pelo Pai, que lhe criou excelsa e lhe deu Seu Divino Filho; pelo Filho, que se fez seu filho e lhe coroou como Rainha do Céu e da Terra; e pelo Espírito Santo, que fez dEla sua esposa, gerou nEla o Homem-Deus e a santificou, tornando-a plena das inumeráveis e incomensuráveis graças.

As glórias de Maria, à semelhança das do Senhor, se estenderão de geração em geração até a eternidade. Tudo isso foi operado pela providência também em função do papel de intercessora especialíssima que Ela teria junto a todos nós.

Ela é, assim, a humilíssima Mãe, Filha e Esposa de Deus, Rainha do Universo, pronta a interceder por todos de modo a sermos, como Ela, humildes de coração e zelosos pela glória verdadeira, pela honra do Senhor e pela salvação das almas. A Ela recorramos sempre!

___________________________________

¹ São Luís Maria G. de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. 43ª. Ed. Petrópolis: Vozes, 2013, top. 143.

² Francisco Spirago. As 7 virtudes principais e os 7 vícios capitais. In Catecismo Católico Popular II. Versão feita sobre a tradução francesa do Padre N. Delsor pelo Dr. Artur Bivar. 3ª ed. Lisboa: União Gráfica, 1938, p. 414.

³ Mons. João S. Clá Dias, EP. Aproxima-se a hora da glorificação. In: _____. O inédito sobre os Evangelhos. v. III, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2014, p. 246.

4 Idem, p. 246-247.

5 São Tomás de Aquino. Suma Teológica. II-IIII, q.132.a.1.

6 Mons. João S. Clá Dias, EP, op. cit., 248.

By

Um convite e uma advertência

Ficai atentos, porque não sabeis em que dia virá o Senhor.

Mt 24,42

Estamos a menos de um mês da grande Festa do Natal. Antes, porém, de comemorarmos as alegrias do nascimento do Menino Jesus, a Igreja deseja que façamos uma preparação adequada, através do Tempo do Advento.

Como refere Monsenhor João Clá Dias, fundador dos Arautos do Evangelho, o Tempo do Advento compõe-se de quatro semanas, representando os séculos e milênios que esperou a humanidade pela vinda do Redentor. Nesse período, tudo na Liturgia se reveste de austeridade – omite-se o glória, os paramentos são roxos e as flores não enfeitam mais o interior dos templos – para lembrar ‘nossa condição de peregrinos, ancorados ainda na esperança’”. (1)

A Frase da Semana, do Blog dos Arautos do Evangelho de Maringá sempre tem proposto a seus leitores um pensamento, uma reflexão a respeito de um tema importante, cuja meditação venha a enriquecer a semana de todos. Pois bem: nada pode ser mais relevante para o católico do que tornar presente em sua vida cotidiana esta preparação para o Natal. Por isso, a frase, tirada do Evangelho do Primeiro Domingo do Advento.

Esta frase deve também nos levar a refletir sobre a vinda de Cristo – tema do 1º Domingo do Advento. Pela Revelação, esperamos a segunda vinda de Cristo, que se revestirá da Glória do Rei do Universo. Mas, também, devemos estar atentos à particular vinda de Cristo para nós, no momento de nossa passagem para a vida eterna, quando seremos julgados em relação à nossa correspondência ao Seu chamado.

Que Maria Santíssima – que esteve sempre atenta ao chamado de Deus, nos guie neste Tempo do Advento e nos obtenha de Seu Divino Filho a imensa Graça de estarmos sempre bem preparados.

Salve Maria!

Saiba mais sobre o Tempo do Advento, visitando o site dos Arautos do Evangelho.


(1) Mons. João S. Clá Dias, EP. O inédito sobre os Evangelhos. v. V, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p.  24

By

Os mártires e os lobos

A natureza, realmente, é um livro extraordinário repleto de ensinamentos e mistérios, próprios à reflexão de verdades e princípios indicadores de nosso relacionamento com Deus e o próximo. E isto de tal forma, que o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, Criador desta natureza e Divino Pedagogo, dela fez uso para anunciar a Boa Nova, nas mais variadas situações de sua pregação.

Esta consideração nos vem à mente, ao adentrarmos neste mês de julho no qual celebramos a Jornada Mundial da Juventude no Brasil, em que temos a intenção de que ela “anime a todos os jovens cristãos a se tornarem discípulos e missionários do Evangelho” (1).

Eis que vos envio

Com efeito, contemplemos a narração do evangelista São Lucas, no capítulo 10, e deitemos a atenção para um aspecto de esplêndida riqueza, fundamental e indispensável, para todos aqueles que querem ser discípulos e missionários, ou por outra, porque discípulos (cristãos), são missionários do Evangelho. Disse Jesus, ao escolher 72 discípulos para anunciarem o Reino de Deus: “Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos” (Lc 10, 3).

Em um primeiro momento, poderia causar-nos certa estranheza a comparação que o Divino Mestre utiliza para explicar aos discípulos como e a quem os enviaria. Imagine o leitor: o que pode um inocente cordeiro contra um lobo voraz? Qual é a natural e extintiva “conduta” do lobo face ao cordeiro? Antes mesmo das mais elementares lições de biologia ou zoologia da educação formal, salta-nos aos olhos o que até uma criança já adquiri como conhecimento a respeito do destino de um cordeiro nas garras e dentes de um lobo… E como fica a aplicação de tal metáfora? Ensina Ele que o cordeiro deve se achegar do lobo, para ser por este devorado? Sejamos mais ousados em nosso questionamento: Jesus se enganou?

Categoricamente: não! Mas então, como explicar tal metáfora?

Sim, o discípulo e missionário deve ser como um cordeiro. E quais são as qualidades simbolizadas e evocadas pelo cordeiro: mansidão, inocência, humildade. Assim deve ser o apóstolo de Jesus, fiel e pacífico, cheio de bondade e amante da pureza dos costumes.

E quanto ao lobo, símbolo de quais atributos é este animal selvagem? Maldade, astúcia e obstinação. Eis as características infelizmente presentes neste nosso início de Século, onde a impiedade, a falta de fé, hostilidade e perseguição contra a verdade e o bem vão ganhando espaços crescentes.

Qual deve então ser a atitude do discípulo-missionário em sua missão evangelizadora, na qual encontrará situações difíceis articuladas pela malícia do mundo? Será ele uma fatal vítima, à maneira do cordeiro em meio a uma alcateia de lobos?

Discípulos fiéis, distribuidores da graça

O grande bispo e doutor da Igreja, Santo Ambrósio (+397), nos traz uma luz a respeito da missão dos discípulos junto ao mundo: “enviados não como presas, mas como distribuidores da graça”. (2)

Santo Ambrósio em seu estudo – Tama, Palancia, séc. XVI – Metropo

Ora, para serem distribuidores da graça, necessário é serem portadores da graça, pois ninguém dá o que não tem. E para serem portadores da graça, necessário se faz serem seguidores fiéis, fortes e confiantes de Jesus Cristo, sob pena de, ao contrário, serem escravos do mundo, do demônio e da carne.

Eis aqui o sentido genuíno de ser cordeiro em meio aos lobos: conservar e crescer na união com Jesus, amá-lo verdadeira e radicalmente, agindo coerentemente com nossa fé nele e na prática dos Mandamentos. É sendo discípulo autêntico e despretensioso, mais do que dizendo ou operando, que atrairemos para Nosso Senhor aqueles a quem nos propomos fazer apostolado. Este exemplo de vida dos discípulos e missionários é belamente apontado pelo grande Doutor Teólogo da Igreja, São Gregório Nazianzeno : “[…] eles devem ser tão virtuosos que o Evangelho se propague mais pelo modelo de sua vida do que por sua palavra”. (3)

E quais os frutos da missão?

E quais serão os frutos desta evangelização permeada de autenticidade e virtude?

Muitas almas serão atraídas e, não raramente, algo esplêndido se sucede, como observa Mons. João Clá Dias, EP: “A força da graça conferida pelo Salvador à sua grei é tal que muitos ‘lobos’ acabam sendo convertidos em ‘cordeiros’… Exemplo supremo é o de Saulo, fariseu que ‘só respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor’ (At 9,1), o qual veio a tornar-se o Apóstolo por excelência”. (4)

É verdade, no entanto, que não é unanime a aceitação daqueles a quem se quis fazer o

N. Sra. do Carmo – Colômbia

bem. Mas tal rejeição não deve intimidar o discípulo e missionário do Senhor, pois, conforme está escrito no Evangelho de São João, “O servo não é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram, também vos hão de perseguir” (Jo 15, 20).

Tal hostilidade sempre esteve presente ao longo da história da Igreja – e fatos concretos hoje em dia são narrados – pois muitos foram os “lobos” que trucidaram os “cordeiros”. Mas isto pouco importa, ou por outra, importa muito, pois, como diz Mons. João Clá Dias,

“Se a hostilidade chega ao extremo do martírio, a violência se transforma em glória para os cristãos, permitindo-lhes receber o prêmio da fé, na vida eterna”. (5)

A história dos mártires e dos lobos

Eis ai, no decurso da evangelização, a história dos Mártires e dos lobos. Peçamos à Santíssima Virgem, sob invocação de Nossa Senhora do Carmo (6), celebrada neste mês (dia 16), o que cantamos no Hino em seu louvor “Rosa do Carmelo”: “Forte armadura dos guerreiros! Aos que partem para a luta protegei com o escapulário”. (6)

Por Adilson Costa da Costa

 ____________________________

(1) Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Diretório da Liturgia e da organização na Igreja no Brasil – 2013 – Ano C – São Lucas. Brasília: Edições CNBB, 2012, p.125.

(2) Santo Ambrósio. Tratado sobre El Evangelio de San Lucas. L. VII, n. 46. In:  Obras. v. I, Madrid: BAC, 1966, p. 367.

(3) São Gregório Nanzianzeno, apud São Tomás de Aquino. Catena Aurea, In Lucam, c. X. v. 3-4.

(4) Mons. João S, Clá Dias, EP. O inédito sobre os Evangelhos. v. V, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p. 199-200.

(5) Idem, p. 199.

(6) Para saber mais o leitor pode acessar a matéria: http://www.arautos.org/artigo/13178/O-escapulario-de-Nossa-Senhora-do-Carmo-.html

%d blogueiros gostam disto: